Linhas gerais sobre o acesso à Justiça – por Bruno Seligman de Menezes
A presente reflexão teve seu nascimento no último dia 16, por volta das 15hs, quando twittei pelo celular sobre a demora para o início de uma audiência, e o Claudemir, prontamente, provocou uma manifestação a respeito. O fato é que de lá até aqui várias idéias acorreram sobre a Justiça brasileira.
O acesso à Justiça é princípio constitucional da República, insculpido no rol das garantias fundamentais do indivíduo, no artigo 5º, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Por acesso à Justiça deve ser compreendido não o mero acesso físico aos Tribunais, mas sim um meio de democratizar o acesso, de forma isonômica a qualquer cidadão. Dentre esta diretriz constitucional de distribuição de Justiça insere-se, por exemplo, a concessão de gratuidade judiciária, o fortalecimento da Defensoria Pública, entre outros.
Entretanto, atualmente, o que se vê, regra geral, sem qualquer crítica pontual, é um Poder Judiciário que, de um lado, busca aproximar-se dos jurisdicionados, por meio de mutirões do tipo “Ronda da Cidadania”, mas de outro não consegue romper com sua postura monárquica, quiçá feudal, de magistrado que, por exemplo, exige judicialmente que o porteiro de seu prédio lhe chame de doutor.
Limitemo-nos não às situações limites, sejam os mutirões em vilas paupérrimas, sejam os excessos desmedidos. O dia-a-dia nos fóruns já nos permite uma análise crítica suficiente.
Os Juizados Especiais Cíveis, por exemplo, são instrumentos de desburocratização da justiça para as chamadas pequenas causas. São diversas audiências marcadas na mesma hora, que geram atrasos – em alguns casos – de mais de hora (na Justiça do Trabalho, são audiências marcadas de 5 em 5 minutos). Outras tantas vezes, processos instruídos por juízes leigos, que se investem de arrogância, e indeferem produção de provas, oitivas de testemunhas, gritam com seus colegas advogados (sim, juízes leigos são advogados nomeados pelo juiz titular da Vara para instruírem processos nos Juizados Especiais), e, o mais grave, com os jurisdicionados.
Outro ponto problemático é a questão da concessão de benefícios de gratuidade judiciária. A Assistência Judiciária Gratuita é benefício previsto na Lei nº 1.060/50, além da Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXIV, e determina a sua concessão a quem se declarar pobre, cabendo impugnação da parte contrária.
Não raras vezes vemos juízes exigindo declaração de renda e propriedades para a concessão, violando, em primeira análise, o sigilo fiscal dos requerentes para a concessão, como se a propriedade de um imóvel fosse sinônimo de liquidez para solvência de suas despesas. O mais grave, contudo, se dá com jurisdicionados que se encontram na informalidade, que não possuem quaisquer documentos comprobatórios exigidos: muitos têm negado seu pedido de benefício, por falta de comprovação, quando a lei autoriza sua concessão mediante simples declaração de necessidade.
É importante atentar que a Justiça Estadual é absurdamente mais cara que a Justiça Federal, de modo que qualquer causa simples, sem valor econômico, já tem suas custas em torno de R$ 100,00; ao passo em que processo análogo na Justiça Federal custa aproximadamente R$ 5,00.
O acesso à Justiça, portanto, se faz por facilidade de acesso, se faz por distribuição de dignidade aos jurisdicionados. Aliás, tanto se critica o tratamento impessoal, indigno que se dá aos usuários do Sistema Único de Saúde. É passada a hora de questionarmos o mesmo tratamento em usuários do Sistema de Justiça, inclusive cogitarmos responsabilização por erros judiciários nas linhas do erro médico. O acessos à Justiça passa pelo acesso a uma ordem jurídica justa, o que implicaria em procedimentos formalmente adequados (questão das audiências, p. ex.), e materialmente justos (com boas sentenças). A democratização da Justiça passa inexoravelmente pela democratização do Poder Judiciário.
Bruno Seligman de Menezes é advogado criminalista, subprocurador-geral do município de Santa Maria, especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS; Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS; Professor de Direito Penal da FADISMA.
Acreditar que a lei – feita por alguns poucos e para servir ao interesse de uma “minoria menor ainda” – não pode servir como parâmetro para quem efetivamente se dedica à Justiça.
Os três Poderes – que deviam emanar DO povo e AO povo servir – reviram os olhos (alguns há muito cegos) ao sentir a proximidade do CIDADÃO.
É o exercício da cidadania – sem mandatos, sem remuneração, sem profissionalização – que asseguraria o significado de Estado de Direito. É possível?
Como seria bom se não precisássemos de intermediários para que os direitos sonegados pelo Estado sejam reconhecidos, depois, pelo próprio Estado, na figura de um Juiz. É póssível?
O procedimento deve ser invasivo. Não é fácil cortar a própria carne.