Basoncle – por Marcelo Arigony
“Fingia não ligar. Mas sentia: aquela palavra estava crescendo”

– Basoncle.
– O quê?
Ele perguntou rindo, como quem achava que tinha escutado errado.
Ela não disse nada.
Só deixou o cabelo loiro cair devagar sobre o rosto
e olhou por trás da mecha, com aqueles olhos azuis que falavam só com ele.
– Basoncle – repetiu.
E voltou a encostar a cabeça no ombro dele.
Silêncio.
Dali em diante, a noite continuou igual.
As luzes da cidade vistas do quarto andar,
o vento norte incomodando na janela,
a playlist do Lulu Santos meio torta.
Tudo como antes.
Mas – depois do basoncle – não era.
Porque agora bastava um gesto, e ela soltava: basoncle.
Num tom leve, quase distraído. Mas certeiro.
Como quem joga a rede no rio e espera.
Ele fingia não ligar.
Mas sentia: aquela palavra estava crescendo.
Virando coisa. Criando espaço só deles.
No outro dia, perguntou de novo:
– Tá, mas o que que é basoncle?
Ela riu.
– Ué. Não sabe?
– Não.
– Então não é pra ti.
E saiu.
Balançando o mistério nas ancas,
com o cabelo quase tapando o que basoncle podia significar.
——
Depois de tudo, ele gritou:
– Lambotê!
Ela virou-se, mordeu os lábios devagar… e murmurou:
– Safado.
(*) Marcelo Arigony é Advogado, ex-Delegado da Polícia Civil e atual Diretor da ULBRA Santa Maria. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Em breve mais um livro para empurrar para os amigos e amigas. SM é assim, a mediocridade é o limite. As patotinhas se merecem.