EducaçãoUFSM

ARTIGO. Luiz Eduardo Barbosa, a UFSM, o ensino remoto e ilusão com a “nova normalidade existente”

A falsa ideia do novo normal e os rumos da UFSM

Por LUIZ EDUARDO BONETI BARBOSA (*)

O momento pelo qual o Brasil assim como todo o mundo vem passando reflete um momento ímpar na história, principalmente em nossas vidas, enquanto sujeitos desse processo. A pandemia escancarou as desigualdades, e deixou o capitalismo nu: ele não possui condições reais de enfrentar os problemas pelo qual a maioria do povo passa. As políticas públicas e mudanças estruturais mostram ter um papel central para assegurar a vida, e com isso as ideias neoliberais caem por terra. Assim, vemos presentes no debate nacional duas concepções principais: uma que prioriza a vida, e outra que prioriza a economia. Mas não a economia familiar e popular que também tem sua importância para garantir a vida, essa das pessoas, das pequenas e médias empresas, que hoje também amargam fechamentos e demissões, mas sim aquela economia das grandes empresas, dos monopólios e dos grandes bancos.

Com isso, imagina-se que seria consenso de o quão catastrófico é o momento pelo qual passamos, mas infelizmente há quem esteja iludido com uma “nova normalidade existente” e o quão benéfico seria esse momento para o nosso avanço enquanto sociedade. Nos principais meios de comunicação, vemos diversos exemplos de sucesso no home-office, de como as pessoas estão “dando um jeito” de se adaptar ao “novo normal”. O lado oculto dessa história, que pouco se ouve falar, é a tendência (acelerada pela pandemia) à precarização do trabalho a partir do avanço tecnológico, com o aumento da carga-horária, redução salarial, a confusão entre tempo de vida e tempo de trabalho, entre lugar de descanso e lugar de trabalho, que acentua ainda mais a sobrecarga e adoecimento. Cabe frisar que o problema não é o avanço tecnológico em si, mas sua apropriação e aplicação na intensificação da exploração, ao mesmo tempo em que aumenta o desemprego.

Em meio à calamidade, sempre existirão aquelas e aqueles que irão alimentar ilusões. A depender do lugar ocupado por estas pessoas, o impacto sobre as e os demais pode ser maior ou menor. Quando estas imaginações vem do reitor de uma Universidade Federal, referência nacional e internacionalmente, é inevitável que também nós façamos parte do debate.

“Não seremos exatamente como éramos”, disse Paulo Afonso Burmann, reitor da Universidade Federal de Santa Maria, em entrevista. O mais preocupante é a concepção por de trás dessa fala. O debate apresentado na reportagem se alimenta de uma visão romantizada do atual período, onde a precarização do trabalho e das relações sociais são assim vistas como pontos benéficos para a vida em sociedade. Por isso, dizer tal frase sem trazer consigo uma análise social, política e econômica do momento que vivemos, é respaldar essa idealização de falsa realidade.

Adentrando ao meio acadêmico, segundo ele, a Universidade vem se preparando bem para atender as demandas relacionadas à tecnologia a fim de melhorar as condições de trabalho de docentes e aprendizagem das e dos estudantes- já que desde março foi adotado um regime remoto para o ensino acadêmico-, mas há realidade enfrentada por estudantes e docentes não condiz com tal afirmação. O Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE) não possui regulamentação em caráter extraordinário, e isso vem causando diversos problemas pois há uma extrema flexibilização do regime que não traz garantias reais aos estudantes e nem mesmo à categoria docente, não sabendo como se dará o andamento desse processo e a continuação do semestre letivo posteriormente.

Ao ler a reportagem, me questiono sobre quais fatores levaram o atual Reitor a tal análise. Os índices de desemprego sobem cada vez mais e para muitas famílias brasileiras colocar comida na mesa tem se tornado um grande desafio.

Cito isso pois a partir do momento que a UFSM orienta que as e os estudantes voltem para as suas cidades (deixo aqui exposto que essa é uma medida acertada), estes, principalmente moradoras e moradores das Casas de Estudante, voltam também para a realidade de suas famílias, que passam nesse momento por um cenário de abandono do Governo, onde receber o auxílio emergencial é muitas vezes o único recurso garantido recebido mensalmente, o qual inclusive vem sendo determinante para a manutenção de uma parcela dos emprego no país, sendo importante ressaltar que caso haja a suspensão precoce do auxílio as taxas de desemprego irão crescer ainda mais. Somado a isso, tendo que respeitar isolamento ou até mesmo não respeitá-lo para poder ter o que colocar na mesa, e estando com a saúde mental ainda mais fragilizada, seriam atividades acadêmicas online a preocupação de tais estudantes? Se no momento, milhares de estudantes não estão tendo condições de acesso e realização das atividades, incentivar esse projeto dessa forma é excluir aqueles e aquelas que mais necessitam de assistência estudantil e do compromisso da Universidade para com estes.

Aliado a isso, os índices do país em relação ao acesso às tecnologias são alarmantes, como mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/PNAD 2018), os quais apontam que cerca de 46 milhões de pessoas não possuem acesso à internet. Mas como disse anteriormente, segundo o Reitor a UFSM tem buscado atender as demandas necessárias para que as e os estudantes possam acompanhar as aulas online. Um “auxílio inclusão digital” que fornece R$ 60,00 para estudantes comprarem internet parece ser suficiente para a Reitoria. O problema é que no mundo real, para que haja inclusão digital, é necessário minimamente que hajam também equipamentos de qualidade, assim como uma internet realmente de qualidade, diferente da que se tem nas Casas de Estudante, e diferente das que R$ 60,00 pode pagar. Não havendo isso, dizer que se tem um programa de inclusão digital não passa de falácia.

Ainda, é possível destacar uma contradição no discurso do Reitor. Aparentemente ele acredita que é possível avançarmos em desenvolvimento tecnológico aliado a inclusão digital em meio ao Governo Bolsonaro, que promove cortes de verba na Universidade- o qual reduziu o orçamento anual em mais de 47 milhões- e não têm compromisso com a educação pública, elegendo desde o início de seu governo as Universidades Públicas como suas inimigas e fazendo de tudo para avançar na privatização destas a fim de consolidar seu projeto empresarial da educação, o qual já tem cara e nome: FUTURE-SE. É necessário pontuar também que o ensino remoto pregado pelo atual Ministério da Educação (MEC) em substituição do presencial, mais do que medida emergencial (tendo em vista a má vontade em combater o Covid-19), é tática do governo que tem por objetivo a precarização da educação pública, e que não vem de hoje, mas sim se aproveita da pandemia para ampliar ainda mais essa ação.

A Universidade Pública é essencial para a sociedade, e ela vem cumprindo com seu papel com a região por meio das ações de combate ao Coronavírus, ao contrário do governo que não apresenta nenhum compromisso com o povo. Essa é a realidade da UFSM, que mesmo em meio a pandemia não para.

Por isso, é necessário focar nossos esforços nessa atuação e utilizar todo o potencial da Universidade à pensar as demandas da sociedade durante a pandemia, buscando soluções, inovações e tecnologias que melhorem a vida do povo e combatam as desigualdades sociais, amplificadas com a crise do coronavírus.

“É preciso que algumas lideranças observem o tamanho da nossa potencialidade, sem paixões”. A partir dessa análise que aqui discorri, faço destas palavras do atual reitor as minhas, com a liberdade de adicionar: Sem paixões e sem cair em ilusões.

Não há dúvidas de que Paulo Afonso Burmann sempre defendeu uma concepção de universidade pública. Em sua primeira gestão, conseguimos grandes avanços na Assistência Estudantil. Foi esse comprometimento que permitiu essas conquistas e por isso não podemos ceder às pressões do Governo Bolsonaro e mudar nossas posições, pois são estas que irão garantir o futuro da nossa Universidade Pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.

(*) Luiz Eduardo Boneti Barbosa é estudante de Direito da UFSM e integrante do Diretório Central das dos Estudantes (DCE) da instituição.

Observação do Editor: a foto (sem autoria determinada) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

  1. Esse rapaz AINDA não entendeu que os alunos que não tiverem acesso à tecnologia poderão recuperar as aulas posteriormente, segundo o Rede?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo