O enigma mais importante da vida – por Amarildo Luiz Trevisan
Conversa animada entre Saulo e João: os nomes são fictícios, mas papo é real

Conversávamos animadamente, eu, Saulo e João – nomes fictícios, mas o fato é real – sobre filosofia, literatura e até os avanços da inteligência artificial. O papo seguia leve, até que João comentou sobre a morte de um amigo comum.
– Quem diria, tão cheio de saúde – comentou Saulo.
– Pois é – disse João – e olha que ele ainda estava de luto pelas duas amigas que perdera meses antes.
– Também perdi minha mãe e minha irmã mais velha recentemente – acrescentei, com muito sentimento.
Saulo suspirou e refletiu:
– Quando somos jovens, isso parece tão longe. Estamos ocupados com trabalho, casa, filhos… Mas depois, a morte começa a rondar com mais frequência.
João assentiu:
– E começa a tocar no ombro. Silenciosa, mas constante.
Foi quando lancei uma pergunta:
– Será que o problema filosófico mais importante da vida não é, justamente, o tempo?
Saulo emendou logo:
– Mas o tempo de qual tipo? O do relógio? Ou o da existência?
– O da existência, claro – respondi. – Mas me incomoda algo que li em Heidegger: “ser é tempo”. E se o ser humano é, como ele dizia, um ser-para-a-morte, então será que o tempo já nasce condenado?
– Condenado? – estranhou João.
– Sim. Como se estivéssemos sempre num presente fragmentado, vivendo sobre um abismo. Uma existência apressada porque finita.
– É o Existencialismo, né? – disse Saulo. – Essa ideia de viver o agora com intensidade porque é tudo o que nos resta. Mas tem um quê de desespero nisso. E de cansaço também.
– Talvez a saída esteja em outra filosofia – sugeri. – E se olhássemos para o tempo a partir de Santo Agostinho?
João se interessou:
– O que Agostinho diz de diferente?
Foi Saulo quem respondeu:
– Agostinho não vê o tempo como uma linha que se perde. Para ele, o tempo é sempre presente. Mas um presente que abriga memória, percepção e expectativa. O presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro.
– Então, o futuro já está contido no agora? – perguntei.
João, empolgado, deu um exemplo:
– Ontem, enquanto preparava uma aula, fiquei imaginando como os alunos reagiriam. O que eu estava sentindo ali já era o futuro. Ele já me habitava.
– Isso é belo – comentou Saulo. – Não é mais uma espera vazia, mas um futuro que pulsa desde já, como desejo, como projeto.
– E a morte, nessa visão? – perguntei, provocando novamente.
João respondeu com calma:
– Ela perde o peso de ruptura. Porque o que se vive com sentido permanece. Minha mãe, por exemplo, continua viva em mim. No jeito de falar, nas decisões, até nos silêncios.
Saulo complementou:
– E o que vem pela frente também se enraíza no presente. Se o passado vive pela memória e o futuro pela esperança, então a morte não é fim. É parte do fluxo.
– Então o sentido da vida – provoquei – seria algo que nos exige?
– Acho que não – disse João. – O sentido não cobra, ele emerge. Quando vivemos com atenção, com presença, ele aparece. Ele se constrói em cada momento.
– A fragmentação entre passado, presente e futuro é que nos mata – disse Saulo. – Literalmente e espiritualmente.
– Concordo – respondi. – Talvez por isso a conversa de hoje não seja só sobre tempo. É sobre outra coisa.
– Sobre o quê? – perguntou João.
– Sobre um enigma – disse Saulo. – Que não se resolve, mas se vive.
– Sim – acrescentei. – O tempo nos escapa, mas o sentido nos habita. Não como obrigação, mas como possibilidade. Ele se revela na inteireza de cada instante.
E naquele instante, fizemos silêncio. Mas era um silêncio leve. Um daqueles que não separa, mas une.
Talvez – só talvez – esse seja, afinal, o enigma mais importante da vida.
(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).
Como dizia o Pizarro nas aulas de biologia. ‘ Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, Perdeste o senso!’