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O Juiz de Direito e o Ministro-Presidente do STF

Repercute muito, junto à magistratura brasileira, a possibilidade real do o ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal, o santa-mariense Nelson Jobim, deixar prematuramente (tem ainda tempo regimental, se desejar) as funções, agora, em março, e, eventualmente, candidatar-se a algum cargo eletivo. Que pode ser, especula-se, até mesmo à Presidência da República.

A propósito, o jornal O Globo publicou, na sua edição de ontem, 3 de janeiro, artigo assinado pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rodrigo Collaço. É provável, pela importância da função que ele exerce, que se trate de reflexão quem sabe dominante na magistratura nacional.

Mas essa avaliação pode fazer você mesmo. Segue-se, na íntegra, o artigo do juiz:

“O Judiciário não é partido

Rodrigo Collaço (Presidente da AMB)
Juiz candidato, não. Eis um imperativo categórico para os 15 mil juízes brasileiros – estaduais, federais, trabalhistas e da Justiça Militar. Ninguém perguntou, mas a resposta está dada. A questão está no ar e é importante que não pairem dúvidas sobre o que pensam os magistrados. A idéia de um juiz, no exercício do seu ofício, declarar – ou ao menos criar a expectativa – que se lançará em disputa eleitoral é absolutamente incompatível com a definição elementar do papel daquele que distribui justiça.
Para princípio de conversa, uma alteração dessa concepção demandaria a correção de todos os dicionários, em todas as línguas, que conceituam o vocábulo juiz, definindo-o como aquele a quem se recorre como árbitro e em quem se reconhece – por sabedoria, compromisso com a verdade e conhecimento das leis – a capacidade de discernir sobre as demandas que possam surgir nas sociedades organizadas, garantindo-se às suas sentenças reconhecimento e execução. O juiz é alguém que deve pairar acima e distante das demandas, entre as quais – e sempre as mais difíceis – as que envolvem paixões político-partidárias. Não pode, portanto, ser embrião de candidato.
Essa é a questão crucial que se apresenta aos magistrados brasileiros na virada do ano eleitoral de 2006.
Deixemos de lado as palavras rituais e expressões do direito, porque o problema não é técnico, e assumamos a linguagem mais simples, direta e fácil para discutir o tema. A Justiça – que os juízes encarnam superando suas contingências humanas e até conseguem sublimá-las – não é trampolim político. O juiz é um cidadão que se qualifica por meio dos mecanismos constitucionais para dignificar uma das mais belas concepções civilizatórias da Humanidade: a possibilidade de fazer cumprir a lei em quaisquer situações, até pela suprema penalização que é a privação da liberdade.
Por isso, o juiz não deve assumir a condição prévia do candidato de facção, pois é da essência democrática que assim sejam vistos os que concorrem a eleições. É um desserviço à Justiça um juiz tornar-se objeto de discussões e especulações sobre se, na data-limite constitucional de desincompatibilização, assumirá uma candidatura partidária e disputará o voto popular. Será legal, mas não moral. Se a lei permite, a ética repele. A sociedade, muito menos a Justiça, não merece o constrangimento de alimentar dúvidas sobre as decisões de seus juízes. Ou de que foram instrumentalizadas por paixões partidárias, ideológicas, pessoais, não consagradas pela lei e pelos códigos. Essas dúvidas, amplificadas pelo calor das disputas eleitorais, podem causar danos irreversíveis à própria República. Não é justo alimentar o mais leve risco de que os julgamentos do juiz de hoje sejam influenciados desde já pelo candidato de amanhã. Nem que a expectativa de sentenças equânimes, isentas, independentes, sofra a suspeita de que foram conspurcadas ou pelo menos, inconscientemente, comprometidas.
Ao longo dos tempos, as alegorias – “Sai do caminho da Justiça. Ela é cega”, de Stanislaw Jerzy Lec, citado por Paulo Rónai – sedimentaram um tipo de expectativa que não pode ser comprometida pela mais leve suspeita de partidarização de um juiz envolvido eleitoralmente.
Políticos até que podem se tornar bons juízes, e não faltam histórias de grandes juízes que antes passaram pela política. O exemplo clássico é Earl Warren, político do Partido Republicano, antigo governador da Califórnia, candidato derrotado a vice-presidente em 1948, e que se tornou o segundo mais célebre juiz americano, depois de John Marshall, do século XIX. Warren foi chief justice, como são chamados os presidentes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Indicado por Eisenhower, em 1953, durante 16 anos, até aposentar-se em 1969, foi um extraordinário juiz. Jamais seu passado de político republicano foi lembrado por haver viciado os seus votos. Pelo contrário.
O problema não é o juiz ter tido militância política antes, mas tornar-se político depois. O exercício da Justiça não deve funcionar como estágio de foguete para uma carreira político-eleitoral.
Os juízes, nos debates e consultas que realizam no âmbito da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), chegam a apoiar com empolgação a Justiça Eleitoral por sua interação com a mídia, mas se preocupam quando o noticiário especulativo consegue pontos de apoio para alavancar suspeitas sobre a independência e eqüidistância do Poder Judiciário. Como se fôssemos um partido. Não somos.
”

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