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Águas, ventos e outras tragédias declaradas – por Carlos Dominguez

Um rio é como uma veia. Tem o seu curso, função e depende do que está a sua volta, em todo o seu itinerário para funcionar bem. Se obstáculos são feitos a sua passagem, alguma conseqüência virá para todo o organismo que depende daquela veia para manter o seu funcionamento ideal. Sempre há uma conseqüência, seja lá de que ato estejamos falando. Do menor e mais restrito ao maior e mais impactante. È natural.

Todos os cursos d’água tem uma função. Tem uma utilidade. Santa Maria foi sendo edificada em cima de muitos deles. Há 150 anos o ar que se respirava por aqueles pagos era menos pestilento. Menos sujo. Menos poluído. Primeiro foram os tijolos e pedras. Depois o cimento e aço. Construiu-se uma cidade sem planejamento algum. Como a maioria das nossas povoações. Casa por casa, rua por rua, prédio por prédio. Todas estas moradas tiveram de destinar seus rejeitos ao subsolo. Ninguém pensou em guardar água. Havia em abundância. Poços serviam generosamente a quem os abria no solo. Muitos estão em atividades há décadas. Uns legais e muitos outros clandestinos.

Da mesma forma margens de rios e cerros foram sendo sistematicamente despidas de sua cobertura original. Foram sendo pelados de vegetação. As árvores foram expulsas da cidade, exceto por algumas mais teimosas que se esconderam em becos e pátios esquecidos. Nunca um administrador escolhido, indicado ou eleito se preocupou com esta situação. Pouco sobrou.

Hoje, encastelados em nossos modernos e cômodos apertamentos contemplamos das janelas uma decadência vendida como progresso. Custou apenas nossa alma. Baratinho, baratinho. Cedemos à ilusão do conforto cegados pelas luzes da compra como finalidade de vida. Como pouco sabemos fazer, pouca opção nos resta. Caminhamos por veias secas, pavimentadas em baixo e concretadas por cima. Pouco falta para colocarem a tampa em nosso leito tristonho. Seremos partículas a circular por canais estilizados e glamourosos. Sem verde. Algo totalmente inútil.

Pela região, mesmo longe das cidades velhas, o cenário de desolação vai sendo ampliado. Em outra escala é claro. Mas os rios vão sendo lentamente perdendo suas nascentes e suas barrancas. É necessário plantar muitos alimentos para as cidades barrigas. E lá vão tombando as árvores, devagar, para não alertar o Ibama. E a lavoura vai ganhando mais uns hectares por ano. E vem seca, vem enchente. Cada vez pior. A região de clima subtropical está deixando de ser assim. Logo apenas duas estações para a perplexidade do gaúcho que não circula mais pelo pampa agora arborizado e transformado em fazenda de papel.

Mas os rios sofrem quietos. Clamam na língua antiga e são ouvidos pelo vento que espalha os seus lamentos. Vêm tornados e furacões. Voam casas e telhados. Choram famílias. Prometem políticos. Tem quem acredite. Que importa se a minha casa está em cima de um rio transformado em esgoto. Se subirem as baratas, meto veneno nelas. É só um aperto de botão. Santa Maria está em cima de um emaranhado de sangas e arroios destruídos. O subsolo e o lençol freático comprometidos. Mas seguimos erguendo lindos prédios. Afinal temos uma bela universidade e precisamos ter moradias para oferecer. Quando surge uma idéia diferente, algo que realmente busque resolver um problema público emergencial, o poder público em suas inoperantes esferas cala-se. O projeto Eco Parque Natal de Antônio Augusto Torronteguy, Maurício Beck e Ziâni Costa apresenta um conjunto habitacional popular sustentável para uma área de vazio urbano da cidade, localizada na Vila Natal e na Invasão da Chaminé. Bem em meio a um curso de água.

Eleição após eleição o tema nunca é colocado nem sequer em discussão. Partidos de esquerda, direita e centro ignoram o caos ambiental em que a maioria da população vive. É inconveniente. Mas é verdade.

Carlos Dominguez

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