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REFLEXÃO. Adede y Castro, cursos de Direito, exame da OAB e uma pergunta: quem guarda os guardiões?

O exame da ordem dos advogados merece uma reflexão

POR João Marcos Adede y Castro, Promotor de Justiça e Escritor

Todos sabemos que não é tecnicamente possível abrir um curso de Direito sem a aprovação das autoridades educacionais que exigem um projeto pedagógico, uma estrutura material mínima e um corpo de professores qualificados.

A fiscalização governamental nunca foi eficiente, nem mesmo quando eram meia dúzia os cursos de Direito. Agora, quando se contam às centenas, ela simplesmente não existe.

Não sei se os cursos de Direito, que formam bacharéis em Direito e, presumivelmente, advogados, são de boa qualidade, mas sei que a fiscalização da qualidade não pode e não deve ser entregue a uma instituição como a OAB que, por mais respeitável que seja, é privada, mesmo que criada por lei.

É evidente que a OAB defende os interesses de mercado de seus afiliados, a quem nunca pune nem fiscaliza, o que, aliás, acontece com juízes e promotores de justiça, numa monumental conspiração pela impunidade profissional.

Quem são os coordenadores e professores de cursos de direito, senão os mesmos advogados que fazem parte da OAB e que lutam com enormes dificuldades para sobreviver, por falta de clientes?

Enquanto os alunos estão lutando para ingressar na faculdade de Direito, a propaganda sobre a qualidade do ensino é massiva, o que se repete ao longo de cinco ou mais anos. Os pais dos alunos são convencidos de que estão fazendo um bom investimento, pois o curso é de qualidade.

Os alunos, sabendo ou não, acabam por ser aprovados, às vezes, com boas notas, porque os professores, que em sua maioria são advogados, não podem admitir que não sejam bons professores ou porque ficam com pena deles.

Mas, um dia, de uma forma ou de outra, o aluno conclui o curso, participa de uma solenidade em que todos, sem exceção, realçam às centenas de pessoas amigas e da sociedade que fizeram um excelente curso, e a festa está pronta.

Parece que aí a brincadeira acabou, pois os mesmos advogados-professores que convenceram os pais e os alunos que estavam fazendo um curso de qualidade vão para a imprensa quase todos os dias para dizer que “esta gurizada não sabe nada”.

Mas, se não sabem nada, como foram aprovados? Ou não sabem nada e não mereciam ser aprovados como foram, ou sabem o suficiente para advogar, mas isso é um privilégio daqueles que já estão exercendo a profissão.

Como as autoridades educacionais públicas podem entregar, nas mãos de uma instituição privada, a responsabilidade de avaliar se o curso é de boa qualidade?  Como podem abdicar, criminosamente, de suas atribuições públicas?

Se as autoridades educacionais públicas, que deveriam fiscalizar a qualidade do ensino não o fazem, não deveriam interferir para que esta “gurizada” que nada sabe não fosse aprovada e o curso fosse fechado?

Mas essas mesmas autoridades examinam os cursos e lhes dão notas A! Quem está mentindo, afinal, o MEC que diz que o curso é nota A ou a OAB que diz que o ensino é de má qualidade?

Às vezes, penso que todo mundo mente, pois, afinal, eu, que já estou formado e advogando não posso admitir que meu aluno hoje seja meu concorrente amanhã. Afinal, eu sou eterno, nunca serei substituído e, além disso, ninguém pode saber mais do que eu.

Por isso eu, advogado, que me gabo de ser um bom professor, aceito, passivamente, os discursos de que meus alunos não sabem nada. Se eles não sabem nada, certamente, alguma parcela de culpa é minha.

Por outro lado, a maioria dos advogados que discursam contra os cursos nunca deram uma aula, e mais, nunca passariam num exame de Ordem, mesmo depois de décadas de experiência profissional.

Qualquer um, minimamente informado, vê que a prova da OAB não é redigida para selecionar ninguém, é mero instrumento de eliminação do máximo possível de candidatos.

Ou se melhora a qualidade do ensino, ou se fecham cursos, o que não pode é continuar esta hipocrisia de cobrar pelos cursos ditos nota A e depois dizer que apenas 10 ou 12% podem advogar.

Vejam o que ocorre com a prova da Ordem, em que o candidato é reprovado e nunca se ouviu falar que algum recurso tivesse sido deferido.

Um dos mais importantes princípios constitucionais fundamentais do processo, para atender legítimos interesses do cidadão, é o “duplo grau de jurisdição”, que é a oportunidade de ver novamente julgado um processo cuja decisão foi contrária ao nosso interesse.

Isso ocorre, inclusive, nas decisões proferidas em processos administrativos, sem força de sentença, nos quais aquele que se vê prejudicado pode pedir a revisão.

Mesmo durante o curso de Direito é garantido ao aluno o pedido de revisão da nota de provas e, caso seja negado, a formação de uma comissão para reavaliar suas respostas.

Tudo em nome do sagrado direito de não se conformar com as decisões, e como forma de não colocar nas mãos de apenas uma pessoa o futuro de outra.

Menos, é claro, no caso de avaliações de provas da OAB, pois nessa o examinador, como um déspota, concede a nota que lhe parece mais adequada e aqueles que buscam o Poder Judiciário, através de mandados de segurança, recebem a singela resposta de que não há possibilidade de reexaminar notas de concursos.

É claro que o Poder Judiciário ficaria abarrotado de mandados de segurança para reexaminar notas de provas, inclusive, de outros concursos públicos, o que poderá inviabilizar seu funcionamento.

No entanto, ao negar-se a corrigir a prova da OAB em casos de flagrante erro de avaliação, o Poder Judiciário está dando ao examinador da OAB um poder absoluto que nem o juiz tem.

Alguns advogados, que gostariam de ser juiz, com o risco de ver suas decisões reformadas pelos Tribunais Superiores, podem optar em ser examinadores da OAB, pois ali não há risco de ver suas posições, por mais absurdas que sejam, modificadas.

O examinador da Prova da OAB é o rei, monárquico, absolutista, acima do bem e do mal! E ninguém fala nada, pois afinal a Ordem é a guardiã da qualidade dos cursos de Direito.

A questão toda é saber: quem guarda os guardiões?

Ninguém.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: o artigo acima, nas palavras do próprio autor, é “um fragmento” de seu próximo livro, já diagramado, e que deve estar impresso até o final de janeiro. O título: “Os operadores do direito: uma crítica ao sistema”.

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10 Comentários

  1. O mp estadual, a principio, nao pode ajuizar açoEs na justiça federal. De forma que, caso se possa agir, seria de atribução do mp federal.
    Quanto ao resto, concordo.

  2. Por ser instituição privada, as demandas propostas em face da OAB não devem ter a Justiça Federal como foro competente.
    Assim, convido o articulista a exercer sua função ministerial e adotar as providências cabíveis quanto a impedir que a entidade de classe dos advogados continue a exercer competências constitucionais privativas e indelegáveis do Presidente da República (quanto a regulamentar dispositivo de lei) e do Ministério da Educação (quanto à fiscalização do ensino superior do Direito).
    Não obstante, por ter publicado seu artigo em 05/01/2011, certamente o Dr. João Marcos ainda pode ler o estudo que fiz, publicado perante o Jus Navigandi – http://jus.uol.com.br/revista/texto/18249/exame-da-oab-uma-proposta-de-solucao – onde abordo as avaliações realizadas pelo INEPE – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao Ministério da Educação, que já emitiu diversos relatórios contendo avaliações compreendendo mais de 50 profissões regulamentadas, incluindo a área do Direito.
    Frente a estas avaliações, o Ministério da Educação fechou 23 mil vagas de cursos jurídicos, bem como 36 Faculdades de Direito. Apesar disso, a OAB, em sua volúpia desenfreada de manter uma inconstitucional, ilegal e descabida reserva mercadológica para seus inscritos, ainda mantém o rançoso discurso da baixa qualidade do ensino e sua ausência de fiscalização por parte do Poder Público, como forma de justificar o exame de ordem.
    Dois pontos devem ser reproduzidos aqui.
    O primeiro, oriundo da própria OAB. Trata-se do Código de Ética e Disciplina, cujos preceitos devem ser objeto de fiel observância por parte dos advogados brasileiros, pena de censura, a teor do disposto no inciso II do art. 36 da Lei 8.906/94:
    “art. 29…
    § 1º Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas.”
    Logo, a OAB, por não ser instituição de ensino superior do Direito, reconhecida pelo Ministério da Educação, não pode avaliar Bacharéis em Direito através do exame de ordem, face ao fato desta avaliação, que sequer possui conceituação técnico-jurídica constitucional ou legal que indique sua razão de ser enquanto instituto restritor da garantia fundamental do cidadão ao livre exercício profissional, não ser titulação ou mesmo qualificação profissional prevista nos arts. 5º, XIII e 205 da CF/88.
    O segundo, decorrente do Parecer nº 06/2006, do Ministério da Educação:
    “Neste caso, enquanto os Conselhos de Fiscalização das Profissões Regulamentadas têm a atribuição de fiscalizar o exercício profissional que resulte de uma qualificação exigida por determinação legal, aos sistemas de ensino incumbe, nos termos do art. 43, fornecer à sociedade esses profissionais, portadores da qualificação que a lei exige, comprovada, nos termos do art. 48, pelo diploma devidamente registrado.
    Convém ressaltar que, nos termos do art. 46 da LDB, nenhum diploma pode ser emitido ou registrado se o curso não estiver previamente reconhecido mediante processo de avaliação desenvolvido pelo Ministério da Educação para comprovar o padrão de qualidade do curso e, portanto, a garantia da qualidade no desempenho profissional, sob o princípio esculpido no art. 206, inciso VII, e 209, inciso II, da Constituição da República/88.”

  3. Comentário do meu sábio pai…. quantos fazem Direito apenas por ser um curso “popular e/ou barato e/ou fácil e/ou pouco exigente” (TUDO ENTRE ASPAS PARA IRONIZAR.

    Falando sério, dado o grande número de faculdades de direito, algumas são baratas, não tem quadro de qualidade,…

    Soube que certa faculdade de Sta Maria teve alunos aprovados com um acerto de 6 questões em 30 (20%, tudo A ou B ou C ou D ou E).

    Por que fazer DIREITO? CONCURSOS!! O exame da OAB pode ser um bônus, muito fariam para ver se cola e se passam, advogam.

    Palavra do pai, que sabe tudo e é maldoso como eu.

  4. Parabéns Dr°. Belo texto. Reflete o sentimento de muitos que sonham em ser advogados. O problema da formação profissional não se restringe ao Direito. Está peresente em todas as áreas. Pseudos intelectuais ” que se dizem os donos da verdade” não gostam muito de retransmitir seus conhecimentos. O medo da concorrência é mais forte. Só crescemos com a concorrência. Vamos rever nossos conceitos. Cad um tem que fazar sua parte, valorizar cada dia, cada momento como se fosse o último. Assim, abriremos caminho para a construção de um horizonte repleto de conquistas. Como disse o ET Bilú ” Busquem o conhecimento”

  5. Muito interessante as colocações do nobre promotor. O que se vê é a instauração de um regime egoísta de seleção, onde a OAB define o futuro de quem passou anos estudando e muitas vezes pagando para isto. A solução do problema não está em remediar, mas sim prevenir, e essa prevenção vem em forma de fiscalização do orgão governamental competente para isto, ou seja o MEC. Importa salientar que a OAB além de ser uma instituição pública, acaba tercerizando o exame, ou seja, estamos na mão de duas empresas privadas, com interesses privados, consequentemente motivados pelo capital. Ou se respeita a igualdade de direitos ou se abandona tal instituto, visto que todas as outras graduações não exigem uma pós-aprovação como esta.

    Pela incopetência do MEC, pela soberania da OAB, tantos futuros profissionais se desistimulam e acabam perdendo a paixão pela profissão, o amor pelo direito se esvai quando o mesmo direito possibilita barbaridades como estas!

    Pelo fim do Exame de OAB!

    Viva a Democracia e a Igualdade de Direitos!

  6. na verdade quem passa na prova da OAB merece todo meu respeito é sinal que realmente esta preparado, é que existem pessoas que não conseguem passar na prova e dai acha varias disculpas.

  7. Sim, realmente concordo em gênero, número e grau com suas sábias colocações, entretanto qual seria a melhor saída a curto ou médio prazo para solucionar pelo menos parcialmente esse grande problema? Já me deparei várias vezes a pensar sobre o texto supra, mas…..

  8. Digno, claro, justo. Não saberia me expressar de outra forma. a decadênica educacional que os alunos passam nos útlimos 10, 20 aos chegou as academias, pior, estão saindo para o mercado de trabalho, mais pior ainda, estão se tornando, no caso da advocacia, advogados rasos, juíses sem parcimônia, promotores inconsequêntes… resultado: a venda da themis, está um um olho para fora… Pena, mas é a mais pura realidade. Mas acredito, caro, que esse não é apenas um problema do Direito, mas de todo o sistema acadêmico. Está banal, raso e propenso ao fracasso.

  9. Bah! Nem sou bacharel, muito menos “adevogado” mas gostei do texto, pura verdade. Eu fico impressionado com a quantia de faculdades que existem na cidade.
    Duas palavras “para bens” hehehe

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