Documento. Crise ianque prevista com antecedência. Claro que não pelos operadores do cassino
É impressionante. Com bastante antecedência já era possível saber o que aconteceria com o cassino financeiro montado por especuladores ianques e, vê-se agora, também por espertos de outras paragens, inclusive as brasileiras – como demonstram o balanço encarnado de algumas das grandes empresas nativas.
Quem viu a situação, a anteviu e até explicou algumas de suas conseqüências, foi o professor Osvaldo Coggiola, um argentino naturalizado brasileiro que leciona na Universidade de São Paulo. Ele foi entrevistado por Fritz Nunes, da assessoria de imprensa da Seção Sindical dos Docentes da UFSM. O resultado foi uma reportagem na edição de março do Jornal da Sedufsm. E outra, com as devidas atualizações, na edição de novembro. E é exatamente esta, por sua óbvia conteporaneidade, que reproduzo. O material é particularmente didático, como você pode conferir a seguir, com foto do arquivo da Sedufsm:
Demolição dos mercados
emergentes está em curso
Na edição de março deste ano, em entrevista ao Jornal da SEDUFSM, o professor Osvaldo Coggiola (USP) vaticinou que teríamos uma recessão mundial. Esse foi o título da entrevista concedida ainda no mês de janeiro, durante o Congresso do ANDES em Goiânia (GO). Na oportunidade, Coggiola, que tem formação de economista e também de historiador, também previu um enfraquecimento da economia brasileira a partir da crise financeira mundial, que recém se instalara. Passados nove meses, ouvimos novamente o professor da Universidade de São Paulo. Desta vez, Osvaldo Coggiola deu um tom ainda mais duro em sua análise. Segundo ele, está se dando em âmbito mundial um processo de reconcentração do capital. Para o historiador e economista da USP, a crise não vai levar por terra apenas o Brasil, mas inclusive a China. Acompanhe a seguir a entrevista:
P- Em janeiro deste ano, quando o sr. analisou a explosão da bolha especulativa do setor imobiliário dos EUA, imaginava que a crise teria repercussões como as que estão ocorrendo agora? A crise está pior ou está exatamente como o sr. imaginou?
Resposta– Nem melhor nem pior. Os bancos passaram a rejeitar emprestar dinheiro com casas em garantia, e com isso muitas pessoas passaram a vender suas casas para pagar as hipotecas, pois não estavam conseguindo pagá-las. Com as casas caindo de preço estourou a bolha, num curto espaço de tempo. A explosão da bolha especulativa do setor imobiliário foi a faísca da crise geral do capital, não se limita a esgotar uma nova fase especulativa como as precedentes (bolha das ações de alta tecnologia, etc.). Na crise dos EUA, os títulos mais problemáticos foram os derivativos de crédito, ou CDS (credit default swaps). Como o mercado imobiliário ficou aquecido durante vários anos, as instituições bancárias baixaram os padrões de concessão de financiamentos para a compra de imóveis. Esses empréstimos sem as devidas garantias são chamados “subprime”. As carteiras dos bancos com “subprime” eram em seguida atreladas a CDS, os derivativos de crédito. A instituição financeira empacotava esses títulos e os repassava para outros bancos interessados em comprar o risco. A cadeia era retro-alimentada pelo próprio sistema, pois um CDS poderia ir passando de banco em banco, indefinidamente, com um novo derivativo nascendo a cada operação. Um exemplo de como o mercado se descontrolou (mas ele é descontrolado por natureza, ou cego, como Marx já o dizia) está na explosão do valor “nocional” dos CDS. Em 2003, o ano começou com US$ 2,2 trilhões. Em junho passado, a cifra já estava em US$ 54,6 trilhões. Agora, a bolha estourou.
A crise estourou nos EUA como poderia ter rebentado na Europa, uma vez que a regulamentação em ambos os lados do Atlântico é quase nula. No mundo financeiro de hoje tudo se baseia em expectativas, ou melhor, numa cadeia de expectativas e de confiança, que está quebrada. O financiamento irracional do consumo foi uma das vias para o capital escapar da grave crise de superprodução presente desde a década de 1970. Acreditava-se (os teóricos do capital) que as bolhas criadas poderiam explodir em suaves prestações, fazendo com que o capital achasse, no final do percurso, um novo patamar sadio para seu processo de acumulação e reprodução ampliada. Por isso, agora, volta-se a Marx que, n´O Capital, já afirmava que o limite do capital é o próprio capital, e que este tende para a auto-dissolução. Os bancos nos EUA já perderam 66% de seu valor, em um ano. General Motors, 90% de seu valor; General Electric, 50%; Tenaris, 70%… em quatro meses. São apenas uma amostra de uma realidade generalizada. Ficaram nessa situação em conseqüência da queda de sua expectativa de benefícios, por um lado, e de seu endividamento extraordinário, pelo outro. A queda das bolsas afetou o mundo todo desde o início da crise supostamente americana, vejamos:
BOLSAS/Índices | Outubro 2007/ Maio 2008 | Janeiro 2008/ Maio 2008 |
Nova York Down Jones | (-) 8.5 % | (-) 3.3 % |
Frankfurt DAX | (-) 10.9 % | (-) 12.0 % |
Tókio Nikkei | (-) 20.0 % | (-) 9.0 % |
Xangai SH COMP. | (-) 38.5 % | (-) 33.0 % |
Censen SZ COMP. | (-) 29.0 % | (-) 32.0 % |
Fonte: Bloomberg.
Os capitalistas agora reivindicam fundos do Estado para sair de seu estado de bancarrota, mas nenhum Estado da Terra têm os meios financeiros para salvar o capital em seu conjunto. O governo dos EUA já comprometeu trilhões de dólares para assistir a seus grupos mais poderosos, dinheiro que será tirado dos gastos sociais, e obrigará um endividamento espetacular do Estado. O círculo fatal da crise do capital fechar-se-á na falência do Estado.
P- Existe uma corrente de economistas que diz que as conseqüências para a economia do Brasil serão menores, pois o país estaria com os fundamentos econômicos melhores, que os bancos estão mais sólidos, etc. Como o sr. avalia esse tipo de discurso?
R– Não tem pé nem cabeça. Que isso seja dito pelo governo, com seus interesses políticos (que são os do grande capital) se entende (mas não se concorda). Que seja dito por economistas, supostamente científicos, supostamente independentes, é um escândalo. A crise está potencialmente presente em Brasil desde o seu início, em agosto de 2007. O crescimento da Bolsa foi alimentado, no Brasil, por bancos locais que recorreram à liquidez internacional, ou seja, ao endividamento. Com taxas de juros extravagantes e uma moeda em constante apreciação, o Brasil atraiu massas enormes de capital especulativo, que começou a se retirar com a crise internacional. Um título público brasileiro, que vence em 2045, oferece 7,5% de interesse por cima da inflação, o mesmo título do Japão paga somente 1%; tomar emprestado em Tókio para investir em São Paulo converteu-se no negócio da China para os bancos que operam no Brasil. As quedas espetaculares que afetaram o Bovespa, em reação às quedas internacionais, foram e são a manifestação da vulnerabilidade financeira do país. A revalorização do yen, nos últimos meses, encareceu os empréstimos que alavancam os investimentos no Brasil. A demolição dos mercados emergentes, Brasil incluído, está em curso.
P- O Brasil efetivamente está em melhores condições econômicas do que em 1998 para enfrentar essa crise?
R– Para valorizar a real importância protetora das reservas bancárias, teria que se conhecer o endividamento internacional dos bancos e de suas entidades financeiras. Em janeiro de 2008, Brasil teve uma fuga de capitais de quase três bilhões de dólares, no meio da crise cinco bilhões saíram pelo ralo em um curto lapso de tempo. O circuit break da Bolsa funcionou diversas vezes; o governo já usou R$ 150 bilhões para socorrer os bancos. A garantia que sustentava os negócios financeiros no Brasil era o crescimento dos preços das matérias-primas (commodities), acentuado desde inícios de 2008. Mas há um consenso internacional de que mais de 30% desses preços respondeu a operações especulativas alentadas pela desvalorização do dólar. Todos os dados conjunturais da bonança brasileira estão se derretendo.
P- Qual a saída para a crise? A intervenção nos mercados pode ajudar a resolver a questão?
R– Até o momento, as medidas contra a crise têm sido tomadas em separado pelos governos implicados. Reino Unido, Alemanha, Bruxelas, Holanda, Luxemburgo, França e Islândia anunciaram a nacionalização de bancos. Os governos de Irlanda e Dinamarca agiram garantindo depósitos e créditos e intermediando fusões e vendas de instituições. Este tipo de nacionalização parcial temporária, que é chamado de “injeção de equity”, é a solução defendida por vários economistas. E é também a solução preferida de Ben Bernanke, o presidente do Fed. O plano de Bernanke-Paulson chegou a ser repudiado nos Estados Unidos por resgatar com fundos públicos os banqueiros. O famoso pacote de US$ 700 bilhões de Bush virou café pequeno perto do que os decadentes capitalistas europeus anunciaram. A Inglaterra? 1,3 trilhão de dólares. Com isso, Gordon Brown, seu primeiro-ministro, transformou-se no grande herói dos capitalistas em todo o mundo. A Alemanha de Angela Merkel? 850 bilhões. A França? Quase 500 bilhões. Holanda? Mais de 270 bilhões. No fim da fila, o ridículo Estado português que não conseguiu liberar mais do que 20 bilhões de Euros (27 bilhões de dólares) para os banqueiros lusitanos. Os recursos dos mega-pacotes serão desviados dos Tesouros nacionais para estatização de fatias enormes de bancos e financeiras. Os EUA de Bush, seguindo o modelo de Gordon Brown, anunciaram a liberação de US$ 250 bilhões para a estatização de boa parte dos grandes bancos de Wall Street. Mas o plano americano, por exemplo, permitiu evitar a queda do banco de investimentos Morgan Stanley, que finalmente foi adquirido a preço de banana pelo grupo japonês Mitsubishi UFJ Financial Group Inc. Está em curso um processo de reconcentração do capital, em escala mundial. E põem suas esperanças na China, que também será engolida pela crise. Henry Paulson, secretário do Tesouro americano, declarou: «Os EUA têm interesse em que a China permaneça próspera e estável, queremos que a China se transforme em co-responsável do sistema internacional». O capital apela para o salva-vidas chinês, comandado pelo… Partido Comunista. Os preços das ações chinesas vinham batendo recordes astronômicos até outubro de 2007. Entre outubro de 2006 e outubro de 2007, auge do ciclo, as ações em Xangai e em Shenzen subiram aproximadamente 200%. Mas, quando começaram a cair, não se recuperaram mais. As duas sofreram uma pesada desvalorização, que se acelerou este ano, quando foi queimado aproximadamente um terço do capital cotado nas duas bolsas. A desvalorização do capital na China e demais economias de baixo custo da Ásia poderia ser rapidamente interrompida pelos seus capitalistas sem alimentar a espoleta da crise planetária? Isso é praticamente impossível. Também querem adotar medidas regulatórias para o mercado de derivativos, considerado o maior responsável pela atual derrocada do sistema financeiro. O diretor-executivo da ISDA (Associação Internacional de Trocas e Derivativos), Robert Pickel, disse que ninguém (ninguém mesmo!) conhece o valor exato de derivativos voando pelo mercado. Até porque, na imensa maioria dos casos, trata-se de um contrato privado entre duas partes. Um exemplo sobre como há controvérsia são as estatísticas divulgadas pela ISDA e pelo BIS (Banco para Compensações Internacionais), organização internacional que centraliza dados financeiros mundiais para todos os bancos centrais. Nas tabelas do ISDA, o valor de contratos derivativos em dezembro do ano passado era de US$ 454,5 trilhões. Já nas estatísticas do BIS, o valor era de US$ 596 trilhões. Como seja, o PIB mundial não ultrapassa US$ 50 trilhões!
Economistas considerados de esquerda se pronunciaram em favor do pacote americano, porque ele tentaria travar uma crise financeira com conseqüências sobre o mundo todo. Os mais honestos (alguns nem são de esquerda) mostraram, ao contrário, que esse pacote não é apenas ineficiente, mas tem em vista salvar somente os banqueiros. A preocupação das autoridades norte-americanas tem consistido em comprar ativos ilíquidos do sistema financeiro, privatizando os lucros e socializando as perdas. Paulson está sendo chamado de socialista! Outros acusam o pacote de não tratar do problema da brutal descapitalização sofrida pelas instituições financeiras. Estas, depois de haverem visto cerca de 16 trilhões de dólares dos recursos de seus clientes serem torrados na fogueira das bolhas especulativas, estão sem condições de ofertar o crédito que a economia (capitalista) necessita para funcionar. As estatizações capitalistas visam salvar o capital do próprio capital, nas costas dos trabalhadores, através de demissões, congelamento de salários, da miséria em todas as suas formas. A restauração das clássicas crises catastróficas do século XIX (só que agora com um potencial de destruição mil vezes maior) não poderia ser completa sem a presença do desabastecimento e da elevação a nível proibitivo para a maioria das pessoas dos preços dos alimentos de base (a chamada crise alimentar). Há outra saída: nacionalizar sem indenização os bancos, todo o sistema financeiro e o comércio externo; estabelecer o controle do câmbio; proibir férias coletivas e demissões e distribuir as horas de trabalho; terminar com o saque do pagamento da dívida pública (interna e externa); aumentar de imediato salários, aposentadorias e pensões. Com este programa poderíamos unir os trabalhadores de toda a América Latina, e transformar a crise em um fator de colaboração e unidade da classe operária e do campesinato latino-americanos.
P- Em todo esse processo onde foi parar a “mão invisível do mercado”?
R– Ela nunca existiu sem a mão bem visível do Estado, para criar as condições históricas da acumulação de capital, nos seus primórdios (como demonstrou Marx n´O Capital, no capítulo consagrado à acumulação capitalista primitiva), e para salvar o capital de suas próprias contradições mortais, como na crise de 1929 e agora. A empreitada de inaudita centralização do capital financeiro no Estado levará rapidamente para uma onda de protecionismos nacionais e isolacionismos que aumentarão a temperatura das relações internacionais a graus insuportáveis. A conseqüência será um descontrole bélico que derivaria da indissolúvel unidade entre economia do imperialismo e guerra mundial em um quadro de aumento do protecionismo econômico entre as nações (como na década de 1930). Além do mais, o abafamento da crise do crédito privado logo se manifestará na forma muito mais corrosiva de crise do crédito público. Os economistas do sistema acham que podem restaurar a paz no mercado de crédito privado destruindo o crédito público. Pagarão caro por isso, a história (imediata) sancionará o voluntarismo dos que acreditam que se pode inundar o mercado com papel moeda sem nenhuma conseqüência posterior na economia, processo que logo encontrará seu limite fiscal, na forma de um incontrolável déficit público. Para a explosão desse déficit nos próximos meses agirá não apenas o aumento descomunal das despesas fiscais com os atuais mega-pacotes de salvamento dos bancos e outras empresas privadas, mas, simultaneamente, agirá a não menos descomunal redução das receitas fiscais motivada por uma abrupta queda do nível de atividade econômica em todo o mundo. Os capitalistas das economias dominantes logo receberão a fatura da farra keynesiana. É preciso acabar com o capital e, para isso, acabar com o Estado capitalista, substituindo-o pela república dos trabalhadores, condição prévia da passagem para o socialismo da humanidade, que é o exato oposto do socialismo dos banqueiros.
SUGESTÃO DE LEITURA – clique aqui para acessar o sítio da Sedufsm na internet. No link você encontrará todas as publicações da entidade, inclusive a edição de março, que contém a primeira entrevista concedida por Osvaldo Coggiola.
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