Post Factum – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Centenas de quartos de centenas de apartamentos em nossa “santinha da boca do monte” estão com as caminhas arrumadas esperando seus donos para uma manhã de um merecido sono.

Centenas de escrivaninhas estão com livros de Agronomia, Veterinária, Zootecnia, Química, Serviço Social, Filosofia, Pedagogia dentre muitos campos epistêmicos, bem arrumadinhos, esperando seus donos para horas de apropriação de seus conhecimentos e prazerosos momentos de estudos.

Centenas de mães e pais reforçaram o café da manhã de seus rebentos para recuperá-los de uma merecida noite de diversão nas baladas da vida.

As camas não serão desfeitas, os livros não poderão ser lidos, pais não puderam acordar seus filhos na manhã de domingo e, não pode existir, em família, um café da manhã.

Mais de uma centena desses jovens, que não vão mais voltar para suas casas eram nossos alunos na Universidade Federal de Santa Maria. Foram ceifados da vida, em tenra idade e em fração de minutos pela inalação de monóxido de carbono por uma combustão incompleta e ácido cianídrico em um incêndio numa casa noturna da Santa Maria.

O que era para ser horas de diversão, namoros e descanso de intensos meses de estudos transformaram-se em uma incomensurável tragédia, morte em grupo e um terrível luto para as famílias, para nossa Universidade e para a sociedade de Santa Maria.

Estamos coletivamente mais tristes e com um doloroso aperto no peito e de luto. Um domingo de lua cheia baixou uma nuvem fria, nebulosa e melancólica sobre o céu e os morros de nossa cidade. Até agora nós não conseguimos digerir e entender o que ocorreu em nossa maravilhosa cidade e com o destino de centenas de nossos bonitos, alegres e amorosos jovens.

O certo é que os perdemos e nossas dores não passam. Nossas salas de aula não serão mais as mesmas, pois centenas de cadeiras estarão vazias e nunca mais veremos seus ocupantes.

Estamos coletivamente atônitos pelos corredores de nossa Universidade. Esses jovens que sucumbiram nesse trágico desastre não eram simplesmente nossos alunos; isto sim, nossos companheiros de trabalho, de estudo e sujeitos produtores de nossas formas de ser e mediadores na nossa produção do conhecimento e da História.

Não queremos achar culpados nem julgar ninguém, agora é nossa função avançar na produção das responsabilidades sociais.

Estes alunos eram colegas de cerveja em alguns finais de tarde no Pinus Bar e no Ponto de Cinema. Nossa cerveja vai continuar gelada, mas seu sabor e conteúdo das conversas não terão mais a mesma estética.

Nesta sociedade egoísta que vivemos as pessoas fazem e projetam as coisas pensando na economia e na extração raivosa do lucro. Não é a preservação da vida humana e a qualidade de vida das pessoas que interessam e sim o dinheiro que vai se ganhar com facilidade. A indústria que produziu estes polímeros baratos sabia que eles não eram resistentes ao fogo e sabiam também que tipo de produto seria produzido quando entrasse em combustão. O empresário que compra para colocar em seu estabelecimento o faz porque o produto é barato, mas tem consciência que ele não é seguro e resistente.

Nada nem ninguém vão conseguir recuperar nossas perdas e vamos apenas, com o tempo, acomodar nossas dores. Isso será possível? Muitos pais, assim como eu, quantas vezes enchemos nossos carros com nossos filhos e seus amigos e deixamos nesta e nas outras casas noturnas de Santa Maria.

Todos pensávamos que estávamos largando nossos filhos para uma segura diversão. Ledo engano! Senhores empreendedores pensem menos no lucro e valorizem mais a linda vida de nossos jovens. Posso dizer que aqueles que foram levaram um pouco de nós e, nós que ficamos conservamos um pedaço de quem se foi.