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O tempo das pessoas não é o tempo da burocracia – por Luís Henrique Kittel

“Como gestor, confesso: essa é uma das maiores frustrações que enfrento”

Viver a gestão pública de perto é compreender que o tempo do serviço público muitas vezes não acompanha o tempo das necessidades reais das pessoas. A burocracia – ainda que fundamental para garantir legalidade, controle e transparência – frequentemente se transforma em um obstáculo. E, infelizmente, quem mais precisa é também quem mais sofre com essa lentidão.

Os gaúchos que enfrentaram os desastres naturais dos últimos anos sabem bem do que estou falando. Enchentes catastróficas destruíram casas, pontes, estradas, redes de abastecimento. Famílias perderam tudo – e perderam de um dia para o outro.

Mas, por exemplo, para essas mesmas famílias receberem uma nova moradia, o caminho é longo: cadastro, levantamento técnico, vistorias, validações estaduais e federais, elaboração de projetos, análises jurídicas e financeiras, licitação e, só então, a construção. Isso leva tempo. Muito tempo.

Enquanto isso, a mãe que perdeu o lar ainda vive de aluguel social. O agricultor cuja ponte desabou espera uma nova estrutura para melhorar o escoamento da sua produção. O estudante do interior enfrenta desvios com o transporte escolar. A dor das pessoas pulsa em tempo real, enquanto a burocracia segue seu curso lento.

Como gestor, confesso: essa é uma das maiores frustrações que enfrento. Não por falta de planejamento, esforço ou recursos. Mas por uma engrenagem burocrática que, mesmo necessária, em muitos casos perde o senso de urgência da vida real. É o que chamo de “travacracia” – um sistema onde tudo trava, tudo demora, tudo emperra. Um emaranhado de exigências, pareceres, idas e vindas que sufocam o que é urgente.

Mas seguimos enfrentando. Em Agudo, onde foi possível, criamos estruturas provisórias – como acessos temporários logo após as enchentes. Não deixamos a população sem alternativas. Também fortalecemos uma equipe técnica preparada para vencer cada etapa com responsabilidade e agilidade. É um trabalho diário de superação.

Essa diferença entre o setor público e a iniciativa privada se torna ainda mais evidente em situações emergenciais. Um exemplo é a ponte da Picada do Rio, sobre o Arroio Corupá: a obra está em pleno andamento graças ao apoio direto da iniciativa privada — neste caso, da empresa Gerdau. Por não estar submetida às complexas regras e trâmites que a gestão pública exige, a execução acontece de forma mais ágil.

Já nas pontes sob responsabilidade direta da prefeitura, que dependem de recursos federais, enfrentamos um caminho muito mais demorado. É preciso cumprir uma sequência rigorosa de etapas: elaboração de estudos técnicos, laudos, análises ambientais e estruturais, aprovações em diversas esferas, orçamentos, abertura de licitação, recursos de empresas concorrentes, pareceres jurídicos… Mesmo com total dedicação e esforço das equipes, esse processo consome tempo.

E a população cobra, com razão. Ninguém quer saber se o projeto está aguardando assinatura ou se um documento entrou em análise técnica. O que as pessoas querem é reconstruir a vida. E querem isso agora. Ou melhor, para ontem.

Por isso, sigo defendendo que o serviço público deve continuar sendo técnico, sério e transparente – mas também precisa passar por uma revisão urgente de processos que se tornaram lentos, burocráticos e muitas vezes desconectados da realidade. A vida das pessoas não espera. E nosso papel, enquanto gestores públicos, é justamente garantir que o poder público acompanhe esse ritmo. Até lá, nos cabe o dever de explicar – com transparência e responsabilidade – que o tempo da gestão pública, infelizmente, ainda não é o mesmo tempo das nossas necessidades enquanto população. Em nenhuma das esferas.

(*) Luís Henrique Kittel, 40 anos, é jornalista formado pela então Unifra, atual UFN). É prefeito reeleito do município de Agudo (o único do PL na região), foi vice-presidente do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia e atualmente é vice-presidente da Associação dos Municípios da Região Central (AM Centro). Ele escreve no site às quintas-feiras.

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