KISS. Bombeiros alvo de processo militar confirmam que a legislação municipal da cidade não foi cumprida
Aconteceu nesta terça-feira, no primeiro dia de depoimentos do processo militar da tragédia de 27 de janeiro que tem bombeiros como réus, o que muitos supunham fosse acontecer: grandes críticas ao sistema simplificado de concessão de alvarás, por parte da corporação.
E, também, uma unanimidade: a legislação municipal a respeito não foi cumprida, como pode se depreender da reportagem (texto e foto) de Luiz Roese, que o jornal A Razão está publicando em sua edição desta quarta-feira. A seguir:
“Bombeiros confirmam que lei municipal não foi seguida em relação à Kiss
No primeiro dia de depoimentos do processo da tragédia da Boate Kiss na Justiça Militar, o grande vilão foi o Sistema Integrado de Gestão de Preevenção de Incêndio (SIGPI), ferramenta que passou a ser usada pela Corpo de Bombeiros em 2005, para conceder o alvará correspondente. Integrantes da corporação e uma engenheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS) confirmaram que a implantação do SIGPI dispensou a apresentação de plantas baixas e não levava em conta a legislação municipal.
Na audiência de ontem (terça), estavam previstos 10 depoimentos, mas o tempo permitiu que apenas seis falassem. Hoje (quarta), mais quatro testemunhas de acusação falarão. Todos que não falaram ontem e que deixarão de ser ouvidos hoje ficaram para os dias 9 e 10 de dezembro, de acordo com a juíza Viviane de Freitas Pereira, que preside o processo da Justiça Militar.
A audiência de ontem começou por volta das 9h40min, no Salão do Júri, no Fórum de Santa Maria. Quem o dia foi o bombeiro Claudiomiro Borges Trindade, que atua na na Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) do 4º Comando Regional dos Bombeiros (4° CRB), de Santa Maria. Ele confirmou que, após a implantação do SIGPI em Santa Maria, no final de 2007, os bombeiros deixaram de cobrar as plantas baixas das edificações. Depois dele, foi a vez do bombeiro Adão Duarte Prestes, que também atua no Corpo de Bombeiros de Santa Maria. Prestes também falou que o SIGPI simplificou as exigências para o alvará de prevenção contra incêndio e que o software usado para o serviço não seguia a legislação municipal. Ele também fez relatos sobre a falta de efetivo e a estrutura precária disponível para que fossem realizadas as inspeções, como a ausência de trenas para fazer medições.
Os relatos dos bombeiros também indicaram que, após a tragédia da Kiss, as plantas baixas voltaram a ser exigidas, assim como a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), assinada por um engenheiro. A legislação municipal também passou a ser observada.
O SIGPI, chamado durante a audiência de “receita de bolo”, também foi criticado pela engenheira Elizabeth Trindade Soares, inspetora do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS), pois não havia mais um responsável técnico pelo serviço, diferentemente de antes. Ela se manifestou contra várias vezes e tentou impedir a implantação, mas não conseguiu. Durante os depoimentos, foi lembrado que Santa Rosa e Porto Alegre, por exemplo, não implantaram o SIGPI.
Outro detalhe que chamou a atenção durante os depoimentos é que, apesar de o curso de prevenção a incêndio para o pessoal que trabalha nos locais vistoriados, era uma exigência que acabava empurrada para ser cumprida até o ano seguinte, quando o alvará vencesse.
Outro que depôs ontem foi o sargento Roberto Flávio da Silveira e Souza, que foi sócio/administrador da empresa Hidramix, que atua no ramo de “sistemas de prevenção a incêndio”. Ele comentou que deixou de ser cotista da empresa que soube que não era permitido e que responde a mais um processo administrativo disciplinar por isso.
O bombeiro Wagner Irineu dos Santos Dias, que também depôs ontem, destacou ainda a demanda de serviço para a Seção de Prevenção a Incêndio do 4º CRB. De acordo com ele, entram 100 pedidos por dia de vistoria para a concessão de alvará de prevenção a incêndio e a equipe de trabalho só consegue fazer de 40 a 60 vistorias por dia. Atualmente, cerca de 500 vistorias aguardam na fila. Na época da tragédia, eram cerca de mil, número que caiu por uma casa de uma força-tarefa montada nos meses seguintes, mas que logo deve subir novamente.
Dos oito bombeiros denunciados pelo MP à Justiça Militar, o ex-comandante do 4º CRB, Moisés da Silva Fuchs, atualmente chefe do Estado Maior do Comando Regional de Policiamento Ostensivo (CRPO) Central, foi apontado por crimes mais graves no Código Penal Militar. A primeira denúncia foi em relação ao artigo 312 do CPM: inserir declaração falsa com o fim de alterar a verdade em documento público. Pelo mesmo crime, foram denunciados pelo MP o Tenente-Coronel da Reserva Daniel da Silva Adriano e o capitão Alex da Rocha Camillo, ex-chefes da Seção de Prevenção a Incêndios do 4º CRB.
De acordo com o MP, em agosto de 2009, Fuchs e Adriano expediram o primeiro alvará dos sistemas de prevenção e proteção contra incêndio da Kiss e fizeram constar no documento a boate foi inspecionada e aprovada “de acordo com a legislação vigente”, mesmo sem terem sido observadas leis municipal e estadual. Em agosto de 2011, Fuchs teria feito o mesmo novamente, desta vez com Camillo, na expedição do segundo alvará da Kiss, com o acréscimo de não exigir prévio certificado de treinamento de pessoal, conforme exige resolução técnica da Brigada Militar.
Fuchs foi denunciado, ainda, por prevaricação (artigo 319 do CPM), pois deixou de punir ou de instaurar Conselho de Disciplina para possível exclusão do sargento Roberto Flávio da Silveira e Souza por ser sócio/administrador da empresa Hidramix, que atua no ramo de “sistemas de prevenção a incêndio”.
Já os soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho e Marcos Vinicius Lopes Bastide, o sargento Renan Severo Berleze e o aluno sargento Sergio Roberto Oliveira de Andrades respondem pelo artigo 324 do Código Penal Militar (descumprimento de lei, regulamento ou instrução). Todos os réus compareceram à audiência de ontem.”
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