Maconha: entre o direito individual e o estigma social – por Atílio Alencar
Não fumo maconha, e mesmo que eu quisesse, não poderia. Tenho asma alérgica; o simples contato com a fumaça de qualquer cigarro ou “assemelhado” (parafraseando o eufemismo dos avisos antitabagistas) me sujeita ao risco de uma crise em potencial. Ou seja, meu posicionamento sobre o uso da cannabis não está submetido à simpatia característica entre adeptos da erva, tampouco a nenhum culto de natureza mística ou outras experiências sensoriais.
Acho importante abrir um texto que versa sobre maconha dessa forma, esclarecendo os possíveis leitores sobre minha condição de não-consumidor, por uma questão de, digamos assim, isenção passional – ao mesmo tempo em que acredito ser cada vez menos sustentável a farsa montada em torno do hábito de fumar maconha.
Impossível, nos dias de hoje, não perceber que a hipocrisia do discurso contra o consumo da cannabis beira o ridículo, em alguns casos. Claro, há de se levar em conta as pesquisas que apontam eventuais distúrbios psíquicos intensificados pelo seu consumo. Há uma questão de saúde pública que não pode prescindir da clareza sobre prejuízos e benefícios decorrentes do consumo de determinada substância; mas isso, penso eu, deveria ser uma preocupação expressa em relação a todo o tipo de droga medicinal ou recreativa.
Quem aqui já viu algum anúncio de cerveja alertando sobre os riscos de exacerbação dos humores implícitos ao consumo do álcool? Ou, num exemplo mais extremo, quando foi que a publicidade do açúcar refinado revelou em suas inocentes embalagens o perigo latente contido num inocente docinho de festa infantil?
Pois é.
Enquanto indústrias bilionárias como a do álcool, a do tabaco e a dos laboratórios farmacêuticos fabricam adictos em série e multiplicam as estatísticas de acidentes de trabalho e de trânsito, agravam quadros depressivos e ainda assim gozam de ótima reputação publicitária, um herbáceo relativamente inócuo como a maconha segue gerando polêmicas e uma forçosa associação com crimes de toda natureza.
Não podemos ser ingênuos quanto a tal criminalização: há uma farta literatura crítica que identifica as origens da demonização da maconha na associação calculada entre seus efeitos sonolentos e a ‘improdutividade’ dos subúrbios – e, em especial, aos rompantes de insubmissão das comunidades negras. Maconha tornou-se sinônimo de vagabundagem, comportamento de gueto, combustível dos maus-modos. Um emblema pronto para ser fixado na testa dos subcidadãos periféricos do planeta, sejam eles latinos ou africanos, e um complemento ideal para as justificativas de sua exclusão.
Quer estigma pior que a de um cidadão inútil – ou vagaroso na labuta -, numa sociedade que estabelece o valor de cada homem e cada mulher de acordo com a capacidade de abdicar do seu tempo para gerar riquezas materiais em ritmo vertiginoso?
Se as leis devem reconhecer e garantir os costumes sociais não-agressivos ao outro, descriminalizar o consumo da maconha parece tratar-se de justiça histórica. Um acerto de contas com nossos tempos, assim definido pela senadora uruguaia Lucía Topolansky (esposa do presidente Pepe Mujica, líder do primeiro país sul-americano a legalizar a produção da cannabis) na seguinte expressão: às vezes a realidade te derrota. Derrota também os preconceitos, mitos, exageros e fábulas que convenientemente aceitamos e reproduzimos como verdade, sem nem ao menos saber a quem convém tais supostas verdades.
Mesmo que estivéssemos falando apenas do uso recreativo da maconha, e não de seus inúmeros e comprovados benefícios medicinais: quem aqui discorda que uma sociedade menos frenética, menos automatizada e mais reflexiva seria, no mínimo, mais saudável que esse modo de vida com nervos de asfalto que nos rouba o sono?
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