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O Vento Norte – por Atílio Alencar

Mais de uma vez, quando viajava por outras regiões do Brasil, vivi a situação de querer explicar para alguém que não conhece Santa Maria o que é o vento norte. Digo, mais do que o óbvio trânsito do vento – já que em muitos lugares da Terra o vento deve conhecer o caminho do norte -,  falar dos seus efeitos perturbatórios.

Daquela inquietação das coisas e das pessoas que o vento norte causa, quando sopra.

Bom, na verdade acho que nunca consegui traduzir em palavras a influência deste vento, e não me culpo. Quem não viveu a experiência de vagar ladeira abaixo, ladeira acima nesses vales em que calhou de alguém construir uma cidade, não pode imaginar o que é ser fustigado, na pele e no mais fundo de si, pela ventania infernal que vem do norte.

É um vento quente, enviesado. Parece que agita até o pensamento da gente.

Quase sempre é prenúncio de chuva; mas uma chuva engasgada, que chega demorar dias pra cair. E não há quem não se reconheça um pouco louco quando respira os rumores do norte, qual bebesse com os pulmões bem abertos um gole farto da demência do mundo.

Quando ele vem, é assim como se a gente estivesse com os nervos na flor da pele, entre a nostalgia, a insônia e a euforia.

Se o amor e a morte são um pouco irmãos, é que o vento norte os iguala no desatino.

Em Santa Maria o vento norte sopra como em nenhum outro lugar. Quem anda pelas ruas da Boca do Monte nos dias e noites do veranico (o calor fora de época que surta em maio e no começo de julho), sabe o quanto é perturbadora a ventania que faz a curva dos morros e desliza pelas coxilhas concretadas da cidade.

Sem trégua, o vento arranca música de tudo e impede o sono do povo: o mundo se torna uma sinfonia de janelas gemendo na noite, para penúria dos supersticiosos e êxtase da boemia. É comum ver rodamoinhos de folhas e papeis pelas ruas nessa época – uma visão lúdica, um tanto assombrosa.

Existem até estudos que – dizem – comprovam a influência desse vento peculiar sobre o temperamento dos viventes. Mas não creio que a ciência possa explicar o que se passa com toda a gente quando sopra o vento norte.

Para Ana Terra, a personagem de O Tempo e o Vento, as noites de vento eram as noites dos mortos. Lembro que minha avó costumava benzer a casa quando ele começava a soprar do norte, aflita, com o terço apertado entre as mãos.

Pra mim, vento norte é fartura de vida.

Embriaguez.

E não há benzedura que possa nos proteger da vida.

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