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Nísia Floresta Brasileira Augusta, parte 2. Obra – por Elen Biguelini

O acesso feminino à educação. Eis aí o tema principal do trabalho da escritora

Optamos por separar a obra da vida de Nísia Floresta (na imagem ao lado, de reprodução), devido a necessidade de discussão sobre algumas destas obras.

Claramente, a mais relevante é “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”, que, segundo sua edição original, era a tradução de uma tradução francesa de Mrs Wollstonecraft.  No entanto, esta obra não poderia ser chamada de tradução segundo os conceitos atuais desta arte. Afinal, ao invés de colocar palavra por palavra o que Mary Wollstonecraft (1759-1797) escreveu em seu “A Vindication of the Rights of Women”  de 1792, Nísia Floresta parece ter lido a obra, assimilado aquilo que achava relevante, e a reescrito segundo sua própria opinião. Ou, como afirma a especialista Constância Lima Duarte, faz “uma resposta brasileira ao texto inglês”. (Augusta, 1989, 108).

Em sua obra, como um todo, a brasileira defende o acesso feminino à educação. É este o tema principal de sua obra. Ainda assim, a defesa que é feita por Nísia Floresta não alcança os níveis esperados ou desejados por Wollstonecraft. Assim, a obra é ao mesmo tempo mais branda que o original inglês, quanto mais avançada. Isto porque, ao defender a igualdade entre homens e mulheres no acesso a educação, Dionísia Gonçalves Pinto defende que a mulher era superior moral ao homem, e que isto não era compreendido pela sociedade apenas porquê as mulheres não tinham acesso a educação formal que demonstraria tal façanha. Wollstonecraft, por sua vez, deseja uma revolução na educação, de forma a tornar a mulher independente e livre do domínio masculino.

Ambas, no entanto, apresentam suas opiniões de forma apaixonada, intrigante e que prende seu leitor.

“Opúsculo Humanitário”, de 1853, é uma obra posterior de Nísia Floresta, na qual o tema da educação das mulheres retorna. Nesta obra, a autora parece retroceder em alguns pontos de vista. Após muitos anos dando aulas, e escrevendo sobre o assunto, a autora parece tão apaixonada pelo tema quanto em seu primeiro livro, mas a necessidade de uma “revolução” presente no original inglês, que já pouco aparecia em sua tradução, some por completo em seus textos posteriores.

Ela cria um plano educacional para a mulher, que vai muito além daquilo que era tradicionalmente educado para as jovens meninas brasileiras, mas que não alcança os níveis de tentativa de liberação que o plano de Wollstonecraft pretendia.

Ainda assim, a obra representa um grande avanço na educação das mulheres, e representa o currículo que a autora utilizou no Colégio Augusto. Uma opção da autora, por exemplo, era a aprendizagem do latim, o que era criticado por periódicos brasileiros, mas demonstra o desejo de uma educação moral voltada na religião, quando a Igreja ainda fazia missas em latim.

Outra obra relevante de Nísia Floresta Brasileira Augusta, em especial para o Rio Grande do Sul, é “Fany ou o Modelo das donzelas” de 1847, que se passa em Porto Alegre em plena Revolução Francesa. É uma novela com fundo didático e moralista, com um leve viés autobiográfico.

Os livros de Nísia Floresta Brasileira Augusta tem uma vasta quantidade de temas, bem como um mistura de estilos e até mesmo um hibridismo de conceitos. A autora tomou conhecimentos que obteve ao longo da vida, e criou opiniões próprias. Foi abolicionista (ao mesmo tempo que perpassa o mesmo racismo comum a autores brancos de sua época, achando que a presença de afrodescendentes poderia corromper suas jovens alunas), indigenista (em “Lágrimas de um Cahete” a autora fala sobre a degradação sofrida pelo índio brasileiro), utilitária (a educação das mulheres é útil para a sociedade, não é útil que as mulheres sejam indefesas devido a falta de conhecimento) e positivista (foi amiga de Auguste Comte, como foi visto na semana passada). Escreveu ensaios, prosa, dramaturgia. E, quando morou  na Europa, escreveu também descrições de viagens.

Não havia tema que Nísia Floresta não considerava. E sua obra tem um enorme valor para a História da Literatura Brasileira. Felizmente, embora esquecida durante muitos anos, esta tem sido recuperada em especial pelo trabalho ardo de Constância Lima Duarte.

Obra:

Direitos das mulheres e injustiça dos homens, 1832

Conselhos à minha filha, 1842

Daciz ou A jovem completa, 1847

Fany ou O modelo das donzelas, 1847

Discurso que às suas educandas dirige Nísia Floresta Brasileira Augusta, 1847

A lágrima de um Caeté, 1849

Dedicação de uma amiga, 1850

Opúsculo humanitário, 1853

Páginas de uma vida obscura, 1855

A Mulher, 1859

Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce, 1870

Le Brésil, 1871

Fragments d’um ouvrage inèdit: notes biographiques, 1878

Referências:

Augusta, Nísia Floresta Brasileira. “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”. São Paulo: Cortez, 1989.

Augusta, Nísia Floresta Brasileira. “Fragmentos de uma obra inédita”. Brasília: Editora UNB, 2001.

Duarte, Constância Lima, “Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo”. Brasília: mercado cultural, 2006.

Floresta, Nísia. “Opúsculo Humanitário”. Brasília: INEP, 1989.

Lopes de Oliveira, Américo. “Escritoras brasileiras, galegas e portuguesas”. s.l. Tipografia Silva Pereira, 1983,19

Sanchéz, Laura; Pinheiro, Rute. “Nísia Floresta. Memória e História da Mulher Intelectual do Século XIX”. Foz do Iguaçu: Epigrafe, 2018.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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