Desejo a vida dos gatos – por Márcio Grings

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O que você pensa de mim? Acho que eu sou arrogante? Egocêntrico? Acredita que eu necessite de noções básicas de humildade? Julga-me antiético? Olhou para as minhas mãos e desejou que as unhas estivessem cortadas? Há sujeira debaixo delas?

O que você acredita que eu deva fazer com meu tempo livre? Com o que você acha que sonho? Palácios da luxúria? Ternos bem cortados? Carros velozes? Jantares em restaurantes caros? Potes de leite & mel transbordando pelas beiradas? Drinques de bourbon maculados com gelo de água mineral?

Eu sou apenas um homem com simples aspirações. Plantar e colher os frutos. Dar e receber amor. Polir a pedra bruta da existência todos os dias. Assinar o atestado de óbito da mediocridade, esse é um dos meus objetivos.

Há uma dissonância entre a verdadeira imagem da minha alma, e aquilo que os outros veem. Pedra no meu sapato. Num mundo sem perspectivas, desejo a vida dos gatos vagabundeando no meu quintal. Atividade de caça a grilos & pardais & como recompensa um fim de tarde de preguiça estirada no gramado.

E nenhuma vivalma por perto. Pelo menos por um tempo.

Vou decretar o fim do verão antes de março sair do útero de fevereiro. Chega dessa estupidez de calor. Até os gatos lá de casa estão fazendo um esforço danado pra sair do mundo dos sonhos. E não há futuro algum em abrir as pálpebras. Uma gelatinosa sensação de que levantar do chão e brigar com as pulgas não vai resultar em absolutamente nada. O dia de amanhã não vai chegar do jeito que imaginamos.

Santa Maria, Mãe de Deus, perdida na Boca do Monte, tende piedade de nós. Mas afinal, o que você pensa de mim? Só por que estou aqui, perdido no meio do nada, acredita que foi decretado o fim da minha carreira?

Que o céu despenque sobre nós. Quero abrir minha cabeça e deixar um pássaro habitá-la, tal feito um ninho. Um lar com asas e olhos pulsantes. Reze para os que os gatos estejam bem alimentados.