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Amores de sertão – por Bianca Zasso

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No início da década de 1920, incentivado por publicações voltadas para a sétima arte, houve um boom cinematográfico em vários estados do Brasil. Assim como o número de salas de exibição, crescia também o interesse por fazer cinema e falar do cotidiano prezando o sotaque e as peculiaridades de cada lugar. O local que mais se destacou dentro dessa fase prolixa do nosso cinema, foi a cidade do Recife.

Décadas depois, quando nosso cinema foi massacrado pelo governo Collor, era necessário beber mais uma vez na fonte da renovação. O período que ficou conhecido como Retomada, tornou os anos 90 o momento de recolocar o cinema nacional nas telas. Dentro da turma que dava novos passos nas telonas, havia vários pernambucanos. Hoje, eles não só aumentaram em número, como merecem destaque pela poesia que registram nas películas e nos pixels.

A história da eternidade, dirigido por Camilo Cavalcante, é um dos exemplos recentes do poder cinematográfico do sertão e da influência da paisagem na criação dos jovens realizadores. Se Kleber Mendonça Filho, outro pernambucano criativo, traça um perfil urbano do Recife com seu O som ao redor, Cavalcante vai para os confins de seu estado para falar de amor e desejo na última potência. Para isso, utiliza três personagens femininas de diferentes gerações, porém iguais na localização.

Aliás, em A história da eternidade o cenário é soberano: o solo trincado reflete a alma de quem o pisa. A falta de recursos parece ser o menor dos dramas. A jovem Afonsina, prestes a completar 15 anos, sonha conhecer o mar e nutre uma paixão pelo tio poeta Joãozinho, interpretado de forma magistral pelo ator Irandhir Santos. No outro canto do vilarejo, Das Dores leva seus dias rezando uma oração atrás da outra buscando a “cura” para sua paixão pelo neto Geraldo. E ainda temos Querência (a sempre brilhante Marcela Cartaxo), que enterra seu filho pequeno e junto com ele sua força de viver. Três mulheres que têm suas transformações narradas em três capítulos, intitulados Pé de Galinha, Pé de bode e Pé de urubu. A árvore gigante e seca, uma espécie de narradora, permeia os três momentos, todos intensos.

Não há tempo de respiro em A história da eternidade. Mesmo nos momentos (raros) de carinho, a câmera e a movimentação dos atores nos lembra do nó na garganta que conduz cada personagem. Seus minutos mais sublimes são quando Joãozinho provoca a imaginação da sobrinha Afonsina para que ela se aproxime do mar. Também há alento quando Querência decide abandonar o luto e ceder aos apelos do sanfoneiro cego Aderaldo. Das Dores também vive um pouco em paz ao relembrar os tempos de criança do neto.

Essas descrições parecem banais, mas a maneira como ganham vidas diante da lente de Cavalcante as tornam clássicas. Isso porque A história da eternidade, apesar de bem recebido em festivais e mostras, não movimentou multidões na bilheteria. Talvez ainda precise de um tempo para que seu lirismo seja compreendido na totalidade. Grandes filmes, às vezes, precisam de tempo para assumirem esse título.

Quem procura deleite visual, os que acreditam que os silêncios são os grandes contadores de histórias e os amantes da poesia do vazio. Todos podem e devem formar plateia para A história da eternidade. Por mais que o roteiro tenha os dois pés bem cravados no sertão nordestino, sotaque e costumes são só detalhes. As dores são universais.

A história da eternidade

Direção: Camilo Cavalcante

Ano: 2015

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