Um café e um ladrão – por Bianca Zasso
Não se fazem mais filmes de ação como antigamente. Isto é um clichê e costuma esconder algum ranço de quem prefere louvar o passado ao invés de dar uma chance para as mudanças do presente. No entanto, há muita verdade nesta frase feita. Hoje, muitas produtoras e diretores acreditam que para ostentar o rótulo de filme de ação, é preciso que não haja respiro nem calmaria.
Tudo explode, pistolas disparam como se não houvesse amanhã nem recarga e carros cruzam estradas em alta velocidade, dirigidos por personagens que só sabem que preciso manter o fôlego em dia para transmitir toda a “ação” por meio de suas feições ofegantes.
E é aí que torcemos o pescoço e olhamos para trás. Os anos 70 e 80, em especial, presentearam o público com filmes cheios de sangue e fúria, mas também permeados de humanidade e boas histórias. O diretor Michael Mann produziu e foi maestro de um deles.
Profissão: Ladrão, lançado recentemente em DVD pela distribuidora Obras-primas do cinema, marca a estreia de Mann em longa-metragem. Uma entrada triunfante, diga-se de passagem. A trama é centrada em Frank, um exímio ladrão de joias que decide que é chegada a hora de parar. Seria uma aposentadoria como outro qualquer, mas antes de abandonar o maçarico e outras ferramentas usadas para abrir cofres, ele decide constituir uma família.
Do seu jeito, que consiste em convidar a garçonete de um bar que frequenta para jantar, deixá-la esperando duas horas e depois arrastá-la até um café para uma longa conversa sobre seu meio de ganhar a vida, a temporada na cadeia e o desejo de iniciar um casamento.
Em forma de frases parece um tanto agressivo, mas Michael Mann se vale do talento de James Caan, que interpreta Frank, para construir uma cena provocativa e, ao seu modo, romântica. E neste momento que o protagonista mostra quem é e o novo rumo que quer tomar. Para ele, tudo é muito prático, até um pedido de namoro. Ele trata seus problemas pessoais do mesmo modo como decifra um segredo ou arromba uma porta.
Não bastasse um personagem incrível como fio condutor, Profissão: Ladrão ainda é impecável em sua trilha sonora, que sempre surge na hora certa, e também em seus silêncios. Sim, estamos diante de um filme de ação que se vale da falta de som para criar uma atmosfera angustiante, fazendo muitos espectadores acostumados a saírem surdos do cinema um tanto atordoados. A arma apontada, uma leve respiração e mais nenhum pio. Basta.
Profissão: Ladrão quer que o público acompanhe um breve momento da vida de Frank, decisivo e ao mesmo tempo incerto, já que desde os créditos iniciais sabemos que não estamos diante de um conto de fadas. A escolha por se dedicar a um último roubo antes de seguir seus dias longe da vida de ladrão se dá com uma bela negociação. Ao fechar com uma quadrilha, Frank deixa claro suas regras e não abaixa a cabeça.
Acostumado a agir sempre ao lado de seus amigos, ele se mostra arredio às regalias e também ao excesso de monitoramento que seus chefes lhe impõem. Porém, é com a ajuda dos poderosos que ele consegue tirar da cadeia seu melhor amigo e também adotar uma criança. Presentes que vão custar caro.
A fotografia de Profissão: Ladrão combina com o roteiro. As luzes da cidade refletidas nos capôs dos carros e as conversas em becos escuros farão muita gente lembrar de Drive, filme de 2011 dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn. Da fonte utilizada para os créditos até a atmosfera do filme, tudo bebe na fonte dos policiais do início dos anos 80, algo que pode ser notado inclusive no livro que inspirou o filme, escrito por James Sallis e classificado por alguns críticos como um noir moderno.
Drive se inspirou no filme certo e talvez por isso tenha se tornado uma das melhores produções do nosso tempo. No entanto, o que no filme de Refn é poesia visual, no de Mann é soco no estômago. Frank é impassível e mesmo quando a morte passa por perto, não recua nem treme. A cena final, mostrando um Caan cansado fisicamente, mas nem um milímetro abalado no emocional, é inesquecível.
Profissão: Ladrão é para os fortes. A música-tema toca em nossas cabeças durante algumas horas depois de terminada a sessão. É difícil esquecer aquele homem, sua ambição e seu rosto comum, que não treme nem quando o futuro sonhado desaba bem diante dos seus olhos. Poderia ser apenas mais um filme sobre um homem que abra cofres bem fechados. Mas vemos muito mais do que isso ao nos depararmos com o homem exausto que acende o cigarro depois de transformar em pó o ferro que protege diamantes.
Profissão: Ladrão (Thief)
Ano: 1981
Direção: Michael Mann
Disponível em DVD pela Obras-Primas do Cinema
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