Coluna

O clube de leitura de Paul Schrader – por Bianca Zasso

bianca-aCada um lê o que quiser. A frase não é apenas uma amostra de liberdade de escolha, e sim um sinal de que cada leitor realiza uma interpretação diferente para uma mesma história. Ler é um processo complexo que vai além de unir letras e terminar parágrafos. Nossas vivências, a bagagem cultural acumulada e até a cidade onde vivemos fazem parte do pacote de desvendar um livro. O roteirista, crítico e diretor Paul Schrader decidiu transpor para o seu set de filmagem esta experiência e desenvolveu uma espécie de clube de leitura com sua equipe. Assim nasceu Mishima,- uma vida em quatro tempos.

Lançados nos cinemas em 1985 e recentemente chegado ao mercado de DVDs brasileiro pela distribuidora Obras-Primas do Cinema, o filme de Schrader traça um retrato do escritor japonês Yukio Mishima, um dos mais polêmicos nomes da literatura nipônica. Sua intensidade ia além das linhas de seus romances, já que sua vida pessoal era acompanhada de perto pela mídia e com o seu consentimento.

Para conseguir dar conta de uma personalidade tão difícil, Schrader optou por mesclar trechos dramatizados de alguns dos textos mais famosos de Mishima, caso de O templo do pavilhão dourado, com passagens da vida do autor até o seu derradeiro momento, quando após tentar um golpe de estado acompanhado de um grupo de jovens militares, ele comete haraquiri.

O narcisismo, os flertes com a morte e as máscaras sociais, elementos sempre presentes na obra de Mishima, aparecem no filme na sua essência, numa das mais bem acabadas pontes entre Oriente e Ocidente vindas de Hollywood.

Produzido por Francis Ford Coppola e George Lucas, Mishima – uma vida em quatro tempos não possui um roteiro inovador, até porque a magia do filme está na sua estética. A direção de arte, assinada pela artista plástica Eiko Ishioka, que teve total liberdade para criar os cenários das dramatizações dos textos escritos pelo protagonista, aliada à fotografia impecável, seja nas cenas em preto e branco ou coloridas, de John Bailey, fazem o longa ser fiel a sua fonte japonesa sem perder o ritmo americano, com mais cortes e menos atento a contemplação.

bianca-bClaro que, como fã de seu personagem principal, Schrader traz referências do cinema oriental em sua câmera, mas nada que o faça perder seu estilo próprio. A trilha sonora de Philip Glass, com referência pop e até roqueiras, não cai na mesmice dos timbres que remetem ao Japão, até porque os sentimentos que guiam Mishima são universais, talvez aí esteja a explicação de seu sucesso entre os leitores dos Ocidente.

Mishima – uma vida em quatro tempos não quer desvendar o escritor por trás dos livros que mexeram com a sociedade da década de 60. Seu interesse maior está em mesclar vida e obra para deixar surgir a beleza da criação que, por mais fantasiosa que pareça, sempre tem um pé na realidade.

Ao longo de duas horas, vamos unindo peças que já não importam se vieram da ficção ou da realidade. Mishima era obcecado pela perfeição, seja nos corpos ou na sociedade. Seu ideal, e a estrada percorrida para chegar até ele, é o que faz de Mishima – uma vida em quatro tempos um grande filme, que planta em cada um de nós uma ideia. Nunca a mesma e, por isso mesmo, sempre brilhante.

Mishima – uma vida em quatro tempos (Mishima: a life in four chapters)

Ano: 1985

Direção: Paul Schrader

Disponível em DVD pela Obras-Primas do Cinema

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