Um filósofo e poeta alemão – por Bianca Zasso
O que é filosofia? É o que tentam nos ensinar na escola, mesmo que o resultado, em sua maioria, seja um caderno repleto de nomes complicados e uma lista de livros que precisamos ler em uma semana e só vamos entender de verdade depois de muitas primaveras. Porém, esta que vos escreve acredita que a filosofia pode e deve ser aprendida bem longe dos bancos escolares.
A poltrona do cinema, além de mais confortável, ensina como poucos sobre a vida, o início, o fim e o meio. E se todo cineasta é um pouco filósofo, Wim Wenders honra sua terra natal e proporciona aos espectadores aulas incríveis. Uma das mais sensíveis é Alice nas cidades, filme que abre a chamada Trilogia da Estrada do diretor.
Alice nas cidades foi lançado em 1974 e filmado originalmente em 16mm. A edição que chega ao mercado brasileiro é restaurada pela Fundação Wim Wenders, com imagem e som impecáveis. Qualidades técnicas à parte, voltemos à filosofia. A produção, como bem indica o nome, é um road movie. Quem lembrou do escritor Jack Kerouac e sua aventura pelas estradas empoeiradas embalada por jazz e drogas, pode se aquietar. Wenders faz dos quilômetros rodados uma espécie de pausa no mundo.
O personagem principal, o jornalista Philip Winter, está em plena crise criativa diante de uma matéria sobre os Estados Unidos. O prazo está estourado, mas ele prefere tirar fotos dos lugares que visita do que escrever algumas linhas. A primeira parte do longa é dedicada a sua busca errante. Nem espectador nem personagem sabem bem o que querem ou para onde devem ir. E é para ser assim. A arte da contemplação, quase inimaginável para um mundo onde tudo parece correr diante dos nossos olhos, é um dos talentos de Wenders desde seus tempos de curta-metragista (*).
Depois de uma temporada de hotel em hotel, no aeroporto de Nova York, surge Alice. E surge como criança, brincando na porta giratória sem preocupações. Um primeiro encontro simples. Vale lembrar que Wenders não gosta de estardalhaços em seus trabalhos autorais. Uma ajuda com o inglês prestada para a mãe de Alice e surge romance no ar. Mas é só uma brisa. Na manhã seguinte, a mãe de Alice parte sem grandes explicações e Winter se vê com uma menina de 9 anos a tiracolo.
Como homem sensato, deveria procurar a polícia. Quem disse que há sensatez na vida? Nasce uma dupla e brota uma filosofia. Alice é jovem, mas tem um olhar muito particular sobre o mundo. A tal inteligência infantil que alguns adultos ignoram. Estamos outra vez na estrada, agora com um rumo: seguir em frente, sorrir, brigar, encontrar uma casa. Há quem ache o roteiro de Alice nas cidades surreal. Vale lembrar que em momento nenhum Wenders diz que fará um documentário, apesar dos registros improvisados da cidade de Nova York.
A sequência da Trilogia da Estrada (os filmes Movimento em falso e No decurso do tempo) intensifica a filosofia “wenderiana”, com elenco semelhante e a mesma essência. Mudam de nome, de cidade, de profissão, mas pensam de forma semelhante. O mesmo homem em outros corpos. Abrir sua jornada de carros, trens e passos com a presença de uma criança e a descoberta da amizade genuína é mais uma das amostras de como Wim Wenders é mais que um homem atrás da câmera.
Seus filmes não são apenas entretenimento. Não que seja proibida a pipoca, mas é preciso ser muito distraído para se preocupar com ela diante do mundo intenso e tão próximo do cotidiano que se apresenta na tela. Filosofia pura, que mexe com nossos sentidos e passa a fazer parte das nossas memórias como algo fácil e distante daquelas palavras complexas que um dia vimos escritas em um quadro-negro.
Há quem carregue um livro com as ideias de Kant e Sócrates embaixo do braço e se ache “amigo da sabedoria”. Mal sabem que existem cinéfilos mundo afora mais fiéis a senhorita sábia contemplando os planos de Wenders.
Alice nas cidades (Alice in den Städten)
Direção: Wim Wenders
Ano: 1974
Disponível no box Trilogia da estrada da distribuidora Obras-Primas do Cinema
(*) Entre os extras do DVD, há curtas excelentes do diretor, já apresentando seu estilo como cineasta.
ATENÇÃO
1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.
2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.
3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.
4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.
5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.
OBSERVAÇÃO FINAL:
A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.