Coluna

Os bastidores do comercial de margarina – por Bianca Zasso

bianca-aOs primeiros raios de sol da manhã entrando pela janela iluminam a mesa farta e bem decorada do café da manhã. Papai, mamãe e dois filhos lindos e saudáveis comem e sorriem como se não houvessem contas atrasadas muito menos problemas para resolver. Foi assim que a publicidade nos ensinou que deve ser o despertar de uma família.

Como não é preciso nem ter chegado a idade adulta para descobrir que as coisas são bem diferentes das mostradas em um comercial de margarina, logo começamos a achar graça. Porém, há quem faça arte com essa ideia bizarra de café perfeito. O diretor Sam Mendes, depois de construir uma carreira no teatro, resolveu iniciar sua aventura pelo cinema com uma história dessas, roteirizada por Allan Ball. O resultado foi um dos filmes mais importantes do final dos anos 90.

Beleza Americana, além de conquistar cinco estatuetas no Oscar, levou para as telas a discussão sobre a mediocridade humana. O american way of life já havia sido questionado por outros filmes, mas nunca da forma crua com a qual Mendes apresentou. O protagonista, Lester Burnham, caiu como uma luva para o ator Kevin Spacey. Seu rosto comum, aliado a sua falta de expressão, deram verdade ao personagem que, após se encantar pela melhor amiga de sua filha, resolve dar uma guinada em sua vida.

Seria mais uma trama sobre redenção e liberdade, mas logo no primeiro monólogo em off de Lester, somos informados de que ele estará morto em breve. Alertados sobre o que nos espera, encaramos sua mudança de hábitos com precaução. Lester quer um recomeço, mas acredita que a nova estrada é feita de aparências. Logo ele, que critica a esposa por vender uma imagem de perfeição para os vizinhos, começa a praticar exercícios e compra um carro esportivo. Muda a embalagem, mas o recheio continua o mesmo, talvez com algum tempero extra.

O roteiro é preciso e auxiliado pela montagem, mas Beleza Americana só tornou-se o grande filme que é por seu elenco. Annette Bening tem uma de suas melhores performances, a jovem Thora Birch consegue expor as várias camadas da adolescente encurralada por um pai e uma mãe nada seguros ou carinhosos e Mena Suvari demonstra a sedução típica das garotas inseguras. E ainda temos Chris Cooper roubando a cena na segunda metade do longa como o coronel Fitts.

Cercando todas essas pessoas com personalidades tão familiares aos espectadores, está o vermelho. A cor preferida de Almodóvar ganha metáforas sombrias ao se fazer presente na porta da casa de Lester, nas rosas impecáveis de seu jardim que aparecem aos montes em seus sonhos eróticos com a amiga da filha e no sangue que, aos poucos, começa a aparecer. É desejo e morte um ao lado do outro.

bianca-bBeleza Americana ainda é jovem demais para ser considerado um clássico, mas abriu as portas não só para o diretor Sam Mendes e sua sensibilidade única (presente inclusive em sua colaboração para 007 – Operação Skyfall), mas para que jovens roteiristas soltassem as amarras e escrevessem sobre um mundo mais real sem deixar de lado a fantasia, que é o que torna nossa batalha um pouco menos difícil.

Filmes devem cutucar nossas feridas, está é a mais nobre função da arte. Agrada poucos, é verdade, mas é preciso saber conviver com quem ainda almeja uma manhã de comercial de margarina. Sorte para eles, é o que resta desejar.

Beleza Americana (American Beauty)

Ano: 1999

Direção: Sam Mendes

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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