Sob o céu do oeste – por Bianca Zasso
Um artista pode ter uma coleção grande de acertos, mas basta acontecer um deslize que uma carreira pode ir ladeira abaixo. O nova-iorquino Michael Cimino, falecido em julho deste ano, conheceu a fama ao lançar O franco-atirador, um dos melhores relatos sobre as feridas deixadas pela guerra do Vietnã em toda uma geração. Logo, a crítica e o público ficaram ansiosos pelo seu próximo trabalho que, devido ao sucesso, estava ligado a um sonho do diretor que, enfim, iria se realizar.
A ideia era grandiosa: reconstruir com detalhes a Guerra do Condado de Johnson, um dos conflitos mais brutais ocorridos nos Estados Unidos em 1890, paralelo a história de dois amigos que se formam em Harvard e seguem caminhos opostos dentro da batalha. Surgia assim uma odisseia chamada O portal do paraíso, considerado um dos maiores fracassos de bilheteria do cinema americano.
Antes de tudo, é preciso dizer que o filme chegou aos cinemas dilacerado. Isso porque, depois de estourar o orçamento e falir a produtora United Artist, Michael Cimino teve que se render aos investidores do filme e realizar um corte bem diferente de sua concepção original. Ou seja, O portal do paraíso que estreou em 1980 não é a obra de Cimino, mas uma colcha de retalhos das cenas que ele filmou.
Só anos depois o cineasta pode lançar sua edição definitiva, que chegou ao mercado brasileiro em DVD duplo pela distribuidora Obras-primas do cinema, proporcionando aos cinéfilos uma nova experiência, bem mais agradável que a primeira. Isto porque agora é possível identificar a assinatura de Cimino em cada cena, como também suas referências. As duas sequências de dança do longa lembram muito as orquestradas pelo mestre John Ford, que sempre foi chegado em um bailado entre um tiroteio e outro.
As atuações também foram valorizadas, comprovando a máxima de que uma montagem ruim pode estragar o trabalho de um ator. Isabelle Huppert e Kris Kristofferson imprimem veracidade à prostituta Ella e ao protetor de imigrantes James Averill, o protagonista que vê seus ideais irem por água abaixo quando os barões do gado resolvem dizimar os europeus que vieram tentar uma vida mais digna na América do Norte.
Elenco afinado à parte, não estamos falando em perfeição. O portal do paraíso começa lento e sem muita personalidade e só engrena com a chegada dos momentos de ação. A troca de tiros entre europeus e americanos é de extremo realismo, fruto do pulso firme de Cimino com a equipe de direção de arte.
Ao longo de três horas e meia, nos deparamos com algumas cenas dispensáveis e situações que poderiam ser resolvidas com poucos cortes serem transformadas em intermináveis planos que não colaboram para o andamento da trama. Porém, quando a paisagem do oeste, com sua mistura de céu azul, vegetação e poeira, lindamente fotografado por Vilmos Zsigmond (que também nos deixou nesse pesado ano de 2016), algo se alegra dentro de nós, num misto de nostalgia das pradarias da era de ouro dos faroestes com a descoberta de que estamos diante de um filme grande no sentido literal da palavra. A crueza dos cenários, sem um pingo de glamour mesmo para as atrizes, algumas tão reféns da vaidade, ficam em nossa memória.
Certas coisas na vida precisam de tempo. Por mais que pareçam prontas, algo incomoda e só a mudança dos meses consegue resolver. O portal do paraíso chegou nos anos 80, mas só agora pode ser admirado do jeito que seu criador imaginou. Mesmo com os defeitos, saímos da sessão modificados. E é para isso que serve o cinema.
O portal do paraíso (Heaven’s gate)
Ano: 1980
Direção: Michael Cimino
Disponível em DVD duplo pela Obras-primas do cinema
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