O rock é uma garota feroz – por Bianca Zasso
Romper padrões é para os fortes. Quando se é mulher, é preciso força extra. Quem discorda deve encomendar a passagem de volta do mundo da fantasia: oportunidades iguais não existem. E se existe um universo onde os padrões explodem a todo instante é o do rock’n’roll. Tudo bem que as últimas décadas não foram tão inspiradoras, mas muitas revoluções ocorreram ao som da tríade guitarra, baixo e bateria. E mulheres estavam lá. Não para ornamentar o ambiente ou namorar músicos, mas para quebrar tudo. Nos acordes e nos quartos de hotel.
The Runaways, uma das bandas pioneiras a reunir garotas que queriam marcar seu território no mundo por meio da música, ainda hoje é referência para quem está iniciando a vida roqueira. Para a nova geração, além dos discos, centenas de vídeos no YouTube e a carreira ainda ativa da ex-integrante Joan Jett, há também The Runaways, o filme.
O subtítulo que a produção ganhou no Brasil, Garotas do Rock, parece dispensável. Mas basta uma atenção especial para as cenas de abertura para entender que a cinebiografia também é uma cartilha. O clássico modelo de apresentação de personagens tem clima de libertação feminina. Por ser mais focado nas trajetórias da guitarrista Joan Jett e da vocalista Cherie Currie (autora do livro que inspirou o roteiro) e apenas passar de leve a câmera pelas vidas da baterista Sandy West, da guitarrista Lita Ford e da baixista Jackie Fox, The Runaways mostra o nascimento de uma alma roqueira num corpo adolescente.
O que para os meninos pode soar como algo natural, para meninas exige suor, lágrimas e sangue. Literalmente, já que a cena de abertura resume-se em um líquido vermelho no asfalto quente. Não é morte, mas a primeira menstruação de Cherie. E com o mesmo tom de vermelho ela pinta o rosto como David Bowie na capa do albúm Aladdin Sane depois de cortar o próprio cabelo, suas mechas loiras caindo sobre o disco preferido.
Do outro lado da cidade, Joan gasta as economias em uma jaqueta de couro de segunda mão. Uma simples peça de roupa para o mundo, mas uma dose extra de rebeldia para ela. Nas aulas de guitarra, com lições dóceis, Joan pede amplificador e Deep Purple. Ganha como réplica a frase de que garotas não tocam guitarra elétrica. Benditos professores antiquados. São eles que alimentam nosso lado selvagem. Corremos com os lobos, entre um dó e um ré com distorção.
Mesmo sendo a estreia como cineasta de Flora Sigismondi depois de uma boa carreira dirigindo videoclipes, The Runaways tem personalidade e dá o seu recado com até certa poesia. Não é uma ótima trama, como Quase Famosos, nem inovador como o musical The Rocky Horror Picture Show, mas consegue traduzir as meninas dos anos 70 sem perder o ritmo.
A trilha sonora, com clássicos das banda e também outras pérolas da época, como Jimi Hendrix, Sex Pistols e The Stooges, ajuda, assim como o elenco, em especial Kristen Stewart, que assimilou os trejeitos de Joan com naturalidade, e Dakota Fanning deixando claro que cresceu como atriz. Direção de arte longe da caricatura ajudam a conquistar a empatia do público, inclusive o que escolheu assistir ao filme sem sequer saber quem eram as The Runaways ou sua importância para a história do rock.
Hoje comemora-se o dia mundial do rock e muita gente vai comemorar ouvindo seu artista preferido. Em sua maioria, homens portando suas guitarras. Nada contra os meninos, muito pelo contrário. Eles nos divertem e muito. Mas não custa dar uma chance ou reforçar uma vocal feminino ou mesmo um solo composto por uma mulher. Se a tal sororidade existe, ela não pode ser sentida apenas como carinho. Cantar aos berros é libertador. E garotas só querem liberdade. De ir e vir, de cantar e tocar, de serem quem bem entenderem. Sem precisar guardar o verbo ou conter os gestos.
The Runaways – Garotas do Rock
Direção: Flora Sigismondi
Ano: 2010
Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix
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