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Caretas ousadas – por Bianca Zasso

Creio que alguns leitores desta coluna vão dizer que esta que vos escreve está se repetindo. Porém, a culpa não é preguiça ou falta de criatividade. É a vida que anda malvada e levando embora pessoas importantes. A última perda foi Jerry Lewis, não menos importante que as de George Romero e Jeanne Moreau, mas que abrange um público que vai além da cinefilia. Isso porque Lewis era figurinha carimbada na Sessão da Tarde e era difícil quem não parasse na frente da TV para gargalhar com suas caretas, tombos e boas piadas. Mas aquela face de eterno menino atrapalhado era uma de muitas.

Não que Lewis fosse um falso. Tinha fama de arrogante no set de filmagem, em especial quando além de atuar também tinha a função de diretor, mas mau-humor atinge até que não tem o mínimo talento, quem dirá uma mente fervilhante de ideias. Mas quem o conhece de uma que outra cena de clássicos como O professor aloprado ou Bancando a ama-seca pode ser que não perceba o artista revolucionário que ele foi. Mesmo que seu nome seja com frequência esquecido quando se fala na geração da Nova Hollywood, não podemos esquecer que sua obra foi relevante para uma renovação na comédia americana. O mensageiro trapalhão, de 1960, além de ser a estreia na direção de Lewis após uma longa temporada sendo guiado por Frank Tashlin, não possui enredo certinho. É uma série de situações engraçadas e que não se encaixam umas nas outras. E é isso que nos deixa vidrados na tela, que lembra em alguns momentos quadrinhos, em outros desenhos animados como o Papa-Léguas. Algo até então raro não apenas na carreira do ator e comediante, mas nas telonas do mundo.

E o que dizer de O terror das mulheres, lançado um ano depois? Belos travellings, metalinguagem aos litros e o rompimento de códigos de conduto são alguns dos ingredientes inovadores da receita de um dos filmes mais divertidos e ousados daquela década. Sempre lembrado pelo humor físico, Lewis mostra que também sabe realizar diálogos cheios de segundas intenções e muita inteligência. Seu modo de criar cenas nonsense é único. Seu pecado talvez tenha sido o desejo de subverter as regras justamente em um dos gêneros mais caros à indústria hollywoodiana. O que John Cassavetes fazia com o drama de costumes fora dos grandes estúdios, Lewis fez na comédia tendo o aval da Paramount. Para nossa tristeza, foi por pouco tempo. Produtores que querem mais dinheiro que histórias revolucionárias estavam em seu caminho.

Mais que perder um pouco da graça, a morte de Jerry Lewis deixa o mundo menos ousado. Claro que não se pode perder a esperança de que, quando menos esperarmos, novos artistas vão trazer mudanças para a arte. Só que vivemos tempos tão sombrios que, enquanto novos ares não se encontram na ordem do dia, podemos “apelar” para as criações de Lewis, muitas delas lançadas com qualidade no Brasil nos últimos meses, como se adivinhando o fato trágico do último domingo.

Lewis não foi apenas um careteiro. Homens como ele nos fazem rir de duas formas: com os dentes e com o cérebro.

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