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Os degraus da diversão – por Bianca Zasso

Quem já morou longe do térreo em um prédio sem elevador sabe como uma escada pode ser assustadora. Acompanhadas de sacolas pesadas ou após um dia complicado elas conseguem ser ainda piores. O dramaturgo Neil Simon nunca informou se a inspiração veio de experiências pessoais, mas criou uma peça inteira em função de seis longos lances de escadas. Descalços no parque estreou na Broadway em 1963 tendo como um dos protagonistas um jovem Robert Redford. Quatro anos depois, o galã em ascensão em Hollywood reprisou seu papel dos palcos nas telas com o mesmo charme.

Descalços no parque, o filme, não é uma comédia incrível, apesar da direção ser assinada por Gene Saks, vencedor de três prêmios Tony e o próprio Neil Simon ter escrito o roteiro, a produção não é nem um pouco inovadora ou ousada em sua parte técnica, quase um corpo estranho dentre os exemplares cinematográficos de 1967, que incluem A primeira noite de um homem, de Mike Nichols e Bonnie e Clyde, de Arthur Penn. O casal Corie, interpretada por uma Jane Fonda pré-Barbarella, e Paul Bratter surgem na tela com a felicidade em níveis altíssimos. Recém-casados e passeando de charrete pelo Central Park, eles se encaminham para uma animada lua-de-mel de seis dias, período pelo qual a dupla não vai colocar os pés para fora do quarto de hotel.

Só que chega a hora de iniciar de verdade a vida à dois. A animação segue, mas com percalços, já que o novo lar dos apaixonados é minúsculo e para chegar até ele são dezenas de degraus. Soma-se a isso a falta de aquecimento e um quarto que é menor que uma cama de casal. O ambiente é o cenário de uma série de situações engraçadas envolvendo pessoas ofegantes, falta de móveis e um buraco no telhado em pleno inverno nova-iorquino.

Descalços no parque beira o nonsense, a começar por Corie, uma romântica incurável que quer perpetuar o clima de paixão dos primeiros dias de casada a qualquer custo. Ela é a única que parece não sentir as dificuldades respiratórias e de raciocínio que seis lances de escada causam nos outros personagens. Se à primeira vista parece uma construção bobinha para garantir risos, basta um pouco de atenção para notar que a moça encarna os dilemas que assolaram as “esposas perfeitas” da geração anterior. Seu figurino é moderno, mas ela se define como “a esposa”. Não tem emprego, nem parece estar à procura.

Seu cotidiano é agradar Paul na cama e na mesa. Chega ao ponto de espera-lo chegar do trabalho na parada de ônibus e abraça-lo como se não se vissem há meses. Dentro de uma história mais séria, Corie poderia ser definida como uma carente crônica. Mas Descalços no parque permite que Jane Foda imprima um ritmo de desenho animado para sua personagem. Suas caras e bocas contrastam com o jeito arrumadinho e nervoso de Paul, sempre em alerta para a próxima loucura de sua esposa. É a máxima de que os opostos se atraem, que nem sempre funciona na vida real. Neste caso, são justamente as diferenças entre Corie e Paul as causas de sua principal crise, que torna-se o foco do terceiro ato do filme.

Há quem procure uma obra-prima por dia. No caso de Descalços no parque, pode-se dizer que é um filme até esquecível, do tipo que não garante cenas icônicas em nossas memórias. Mas a boa forma do elenco e os diálogos insólitos fazem uma risada gostosa surgir. Não aquelas gargalhadas que nos causam dores na barriga, mas uma sensação boa fica quando chegamos a cena final, cheia de um romantismo que agradaria em muito Corie se ela estivesse na plateia. É um filme para iluminar tardes chuvosas e não se importar com o barulho da pipoca. É divertido, solar, improvisado, dinâmico. Aos mais sensíveis, pode inclusive plantar aquela pontinha de liberdade, que nos faz afrouxar a gravata ou dispensar o salto e ser feliz por aí, descalços no parque num dia de renguear cusco.

Descalços no parque (Barefoot in the Park)
Ano: 1967
Direção: Gene Saks
Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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