As crianças se divertem – por Bianca Zasso
Quando uma produção é definida como “um filme para toda a família” é possível que muitos cinéfilos sintam um arrepio. Primeiro, porque o conceito de família para Hollywood não é lá muito interessante. Segundo, porque há uma necessidade dos atritos entre pais e filhos serem elevados na quinta potência para, no final, tudo se tornar um mar de rosas que a gente sabe que só existe na ficção. E, por último, mas não menos importante, porque as crianças presentes nestes exemplares familiares não costumam ser levadas à sério.
É provável que o prezado leitor prepare-se para se deparar com tudo isso ao escolher O que nós fizemos no nosso feriado para ser a atração da tarde ou noite regada a pipoca e que mais agradar o paladar. Dirigido pela dupla Andy Hamilton e Guy Jenkin, esta coprodução da rede de TV BBC possui um charme como a muito não se via dentro do subgênero “famílias em crise”. Além do sotaque britânico, que agrada alguns ouvidos e confunde outros, O que nós fizemos em nosso feriado é uma amostra de como um roteiro simples temperado com situações insólitas aliado a um elenco afiado consegue divertir e surpreender sem precisar ir aos extremos.
Não temos a densidade de um Capitão Fantástico, de Matt Ross, e nem é essa a ideia que permeia a história do casal Doug e Abi, interpretados pelos talentosos Rosamund Pike e David Tennant que, mesmo que não suportem olhar um para a cara do outro, continuam dividindo o mesmo teto e os cuidados dos três filhos. A insistência em continuar parecendo um família unida tem um motivo: o aniversário de 75 anos do pai de Doug, Gordie, cuja saúde frágil faz todos que o cercam evitarem a chegada de fortes emoções.
A trama toda gira em torno desse disfarce, já que uma festa não pode ser estragada pelo fim do amor entre duas pessoas. Mas o romance frustrado torna-se detalhe quando o elenco mirim aparece na tela. Lottie (Emilia Jones), Mickey (Bobby Smalldridge) e a encantadora Jess (Harriet Turnbull) formam o trio que, devido ao caos emocional dos pais, encontram válvulas de escape onde podem: listas de mentiras, livros sobre guerreiros medievais e coleções de pedra.
Quando os adultos não buscam terapia para si mesmos, a esperteza da infância dá o seu jeito de sobreviver. Donos dos melhores diálogos de O que nós fizemos no nosso feriado, as crianças são responsáveis também pelas reviravoltas, todas tratadas como drama pelos adultos, mas que os pequenos encaram como uma aventura com grande aprendizado. Algo que a vida adulta nos faz esquecer um pouco como funciona.
Com bom ritmo, uma direção de arte com ares teatrais e interpretações banhadas em humor ácido, O que nós fizemos no nosso feriado talvez nunca seja exibido nas sessões televisivas vespertinas. Não porque não seja um filme para a família, mas porque é um filme para crianças. Crianças de verdade, que se divertem com pouco e complicam com menos ainda. Crianças com alma, que não abdicam da época das brincadeiras para garantir o primeiro lugar em um vestibular ou outros concursos que os adultos dizem que trarão um futuro promissor. Criança é presente, agora, já. As crianças se divertem. Adultos, por culpa do mundo ou deles próprios, preferem ser fantasmas que pagam as próprias contas e não encontram tempo para brincadeiras.
O que nós fizemos no nosso feriado (What We Did on Our Holiday)
Ano: 2014
Direção: Andy Hamilton e Guy Jenkin
Disponível na plataforma Netflix
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