Coluna

O monstro na parede – por Bianca Zasso

Quem não se contenta com blockbusters e mora na nossa querida Santa Maria, tem vivido dias difíceis. Fora os ciclos do Cineclube Lanterninha Aurélio, na Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria (CESMA), precisamos lidar com as limitadas programações das salas de shoppings.

Isso deixa nosso público isolado de algumas estreias importantes como As Boas Maneiras, filme da dupla brasileira Juliana Rojas e Marco Dutra, que dá um novo horizonte para o cinema de gênero no país. Mas na falta do último trabalho dos diretores, podemos garantir bons momentos com o longa anterior desses dois talentos.

Trabalhar Cansa, lançado em 2011, foi o primeiro trabalho em longa-metragem de Juliana e Marco, exibido em Cannes na Mostra Um Certo Olhar, que revela novos nomes da Sétima Arte. A recepção foi boa, mas é aqui na terra brasilis que o filme pode ser absorvido com mais intensidade. A trama gira em torno de Helena, interpretada por Helena Albergaria, uma dona de casa de classe média que resolve abrir o próprio negócio: um mercadinho num bairro próximo ao seu.

Paralelo ao novo projeto da protagonista, temos outros personagens em processo de transição. André, marido de Helena, é demitido após 10 anos na mesma empresa e Paula encara o primeiro emprego como doméstica no apartamento do casal. E ainda temos um monstro. Não se assuste. Trabalhar Cansa é um filme de terror. Em mais de um sentido.

Os espectadores avessos ao universo fantástico provavelmente terão dificuldade de lidar com os momentos de horror do filme. O local alugado por Helena para abrir seu mercado tem ares mal-assombrados, com líquido escuro brotando do chão e uma mancha preta se espalhando em uma parece que não parece ter um centímetro de infiltração.

Esse monstro que começa a atrapalhar ainda mais a vida em crise de Helena pode ser encarado como uma metáfora para as mudanças econômicas do nosso país. Por mais assustador que seja um lobisomem ou um fantasma, grande também é o monstro chamado desemprego.

Mudanças essas que parecem difíceis de serem encaradas pela classe acostumada ao conforto. Helena, mesmo sem saber se terá sucesso em seu negócio, contrata uma empregada. Sem carteira assinada. A patroa se sente infeliz com a falta de dinheiro, mas parece pouco se importar com os direitos da moça que cuida de sua filha melhor do que ela própria e mantém sua casa em ordem. Ecos da escravidão num país que ainda constrói apartamentos com quartos destinados às empregadas onde mal cabe um ser humano dentro.

O elenco de Trabalhar Cansa conquista. Marat Descartes rouba a cena a cada aparição e Helena Albergaria vai num crescente em sua interpretação. A jovem Naloana Lima convence como Paula e as participações de Lilian Blanc e Eliana Teruel garantem risos nervosos, já que seu humor vem de atitudes nem um pouco elegantes.

Juliana e Marco possuem estilo, algo que já podia ser sentido no curta As Sombras, inspirado em Walter Hugo Khouri. A atmosfera de suspense é bem construída e valoriza a Inteligência do espectador ao não se valer de trilha sonora clichê e sustos baratos. Até porque não é o susto que motiva os diretores, mas o medo constante, seja causado pela falta de dinheiro ou por um esqueleto cimentado na parede.

Trabalhar Cansa tem crítica social sem precisar levantar bandeira ou ter diálogos com frases feitas. O uniforme de Paula, o cuidado com a louça importada da mãe de Helena e a revolta de André em uma entrevista de emprego bastam para que a mensagem seja entendida. Pelo menos para quem sabe que tipo de monstro há além das paredes de sua casa confortável.

Trabalhar Cansa

Ano:2011

Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra

Disponível em DVD

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