Coluna

Céu, sol, sul, terra e câmera – por Bianca Zasso

Na noite da última terça-feira, durante a cerimônia de abertura do 12º Santa Maria Vídeo e Cinema, fui transportada para tantos lugares que voltei para casa com uma estafa física digna de quem chega de uma longa viagem. Voltei ao ano de 2002 quando, aos 16 anos, assisti aos primeiros filmes que tinham como cenário a cidade onde nasci.

Parece algo bobo, mas reconhecer numa tela grande o chão que você pisa todos os dias é uma diversão das boas. Um piscar de olhos e lá estava a Bia de 2006, uma estudante de jornalismo que acreditava que ser repórter era o seu destino e que agora prestigiava curtas realizados pelos colegas de faculdade.

Ainda lembrei das oficinas de análise cinematográfica e roteiro, da primeira entrevista que fiz depois de formada com o documentarista Silvio Tendler, de conhecer o Carlão Reichenbach pessoalmente, de ver as pessoas escolhendo os filmes que mais gostaram para depositarem seu voto na saída de cada noite de festival.

A homenagem ao ator Leonardo Machado, falecido recentemente, me fez lembrar como, apesar de estar presente em muitos curtas e longas (mais de 80!), era como se ele fosse parte da família, dos rostos familiares que encontramos em uma passada pelo Calçadão ou descendo a Avenida Rio Branco. Foram muitas lágrimas para uma primeira noite. Todas repletas de significado.

A última parada foi um pouco mais demorada. A exibição de A Cabeça de Gumercindo Saraiva, novo trabalho do escritor, roteirista e diretor Tabajara Ruas, fez pensar. Ambientado no final da Revolução Federalista, o filme levantou questões em nossas mentes que vão muito além do embate entre chimangos e maragatos.

Lembramos, inclusive, daquela briga entre vizinhos por diferenças políticas e dos ataques gratuitos que muitos de nós sofremos quando tentamos expor nossas ideias. Não é com garrucha nem espada, mas fere da mesma forma.

Leonardo Machado interpreta Francisco Saraiva, filho do Gumercindo do título, que não poupa esforços para dar um destino ao corpo do pai, morto durante uma emboscada. Só que há um porém: degolado pelos soldados do Coronel Firmino (Marcos Breda), a cabeça de Gumercindo está a caminho de Porto Alegre pelas mãos do Major Ramiro (Murilo Rosa) para ser entregue à Júlio de Castilhos.

Apesar do nome de Murilo Rosa vir antes do de Leonardo Machado nos créditos, ele não é um protagonista solitário. Há momentos de destaque para ambos ao longo da história, fazendo o espectador ficar dividido sobre para quem irá torcer.

Pouco importa de que lado estamos, se nosso lenço é branco ou vermelho, a força do olhar e do sotaque natural de Leonardo encantam nossos olhos. A Cabeça de Gumercindo Saraiva é, sem querer impor rótulos, um faroeste. Não um clássico americano, apesar de Tabajara citar John Ford como uma das suas referências cinematográficas, mas um faroeste próximo, com cenário que estão há alguns quilômetros da nossa Santa Maria.

Este detalhe, que deveria nos encher de orgulho, infelizmente, ainda é motivo para afastar muita gente dos cinemas. Estranho alguém não saber lidar com se reconhecer na tela, não? Enfim, algumas pessoas precisam repensar o que realmente as move a sair de casa e ir ao cinema. Se a resposta for pipoca ou simples passatempo, recomendo buscar ajuda.

Nosso jeito de falar, de encarar a família, nossos defeitos e nossas valentias estão em cada cena de A Cabeça de Gumercindo Saraiva. Que ele chegue ao maior número possível de pessoas, no nosso estado e fora dele. Somos muitos nesse país de proporções continentais e não há mal nenhum em conhecer o diferente. Quem gosta de fazer tudo sempre igual está condenado a uma vida chata. E burra.

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