Coluna

A nossa felicidade – por Bianca Zasso

Uma olhada rápida nas vitrines das livrarias basta para se dar conta de que o que o povo quer mesmo é ser feliz. São centenas as publicações que se propõem a falar sobre felicidade e até ensinar à conquistá-la.

Quem já tem algumas primaveras completas e dedicou-se a observar a vida, seja a própria ou a alheia, sabe que felicidade não tem receita, pelo menos não definitiva. Portanto, esta colunista sugere que você economize seu dinheiro com livros de autoajuda e vá procurar Lazzaro Felice.

Dirigido pela italiana Alice Rohrwacher e vencedor do prêmio de roteiro no Festival de Cannes, o filme é centrado no doce e inocente Lazzaro, interpretado brilhantemente pelo estreante Adriano Tardiolo, que vive em uma aldeia de camponeses que mais parece uma prisão.

Apesar de não precisar o ano exato em que o início da trama se passa, pode-se concluir pelo figurino e os comentários sociais que é por volta de 1980. O vilarejo faz parte das terras comandadas pela Marquesa Alfonsina de Luna, que explora os moradores em suas plantações de tabaco e parece viver num mundo paralelo ao lado do filho Nicola.

Em seu início, Lazzaro Felice se preocupa em nos apresentar o cotidiano do local, deixando claro como o protagonista destoa dos demais personagens. Sua resiliência parece coisa de outro mundo e até sua “casa”, que fica localizada numa espécie de caverna, reforça seus ares sublimes.

Essa necessidade de esclarecer para a plateia que Lazzaro é um tipo de santo chega a irritar em algumas cenas, ainda mais quando a segunda etapa do longa entra em cena. Após sofrer uma queda grave, o nosso garoto protagonista acorda como se nada tivesse acontecido. Porém, logo percebemos que são outros tempos.

O século XXI chegou e Lazzaro reencontra seus antigos companheiros de vilarejo envelhecidos e em situação tão complicada quando antes. Se o regime de semiescravidão acabou, hoje eles vivem num silo abandonado e sobrevivem de pequenos roubos. Mas Lazzaro ainda é o mesmo, bondoso demais para as cidades de agora.

Em seus dois momentos, Lazzaro Felice conta com a sensibilidade cênica de Rohrwacher, que também atua no longa, para fazer da geografia um personagem. A natureza e as pradaria da etapa inicial colaboram para a atmosfera de tranquilidade, apesar da situação dos personagens não ser das melhores, e na paisagem urbana o concreto e o aço dão o tom de frieza e abandono em que se encontram os amigos de Lazzaro.

A boa direção de atores e de fotografia e o roteiro de essência criativa não impedem que o filme peque em alguns quesitos, especialmente na duração. A trajetória de Lazzaro poderia ter, no mínimo, meia hora a menos e continuaria fazendo sentido.

Talvez pela opção de tratar de um tema que lida diretamente com a fé, chegando a ter ares de parábola, a diretora se vale de várias cenas para dizer a mesma coisa, sendo que não é preciso ser um espectador experiente para perceber logo de chegada que Lazzaro não é uma criatura comum. Uma atenção maior no desenvolvimento dos personagens coadjuvantes renderia boas subtramas e uma maior empatia do público.

Mesmo com seus deslizes, Lazzaro Felice é um achado que, infelizmente, não passou pelos cinemas brasileiros, fazendo sua estreia por aqui apenas por meio das plataformas streaming. Mas até na menor das telas e com a casa inteira atrapalhando a concentração, é um filme que merece ser assistido e repensado. Pode ser até que você encontre a felicidade nele. Nem que seja por duas horas.

Lazzaro Felice (Idem)

Ano: 2018

Direção: Alice Rohrwacher

Disponível na plataforma Netflix

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