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Coroinha “santinho” – por Pylla Kroth

Dentre as obrigações de minha infância, uma delas era ir à missa da igreja matriz do povoado uma vez por semana. Confesso que eu gostava, pois era permitido para aquela ocasião usarmos a melhor roupa que tínhamos naqueles tempos onde as fábricas de roupas prêt-à-porter ainda não haviam tomado conta. Calças com feitio sob encomenda da costureira com uma “fazenda” das melhores. Camisa de “volta o mundo” ou de boa malha com gola de cacharel e o sapato bem engraxado, afinal a sociedade toda se fazia presente. Naquele ambiente sagrado até namoricos e paqueras, respeitosas obviamente, eram permitidos, havia um ar de benção dos santos e os velhos assim entendiam e permitiam.

Não demorou muito e fui convidado para ser um dos coroinhas a serviço dos três padres da casa canônica que se revezavam nas missas semanais. Naquele lugarejo existiu um dos melhores seminários sacerdotais do estado, o Seminário Sagrado Coração de Jesus. Se não me engano, eram uns cem seminaristas internos que meio expediente estudavam Teologia lá, e no outro turno iam pro colégio ginasial da cidade.

Quem comandava tudo aquilo era o temido Cônego Bento, uma figura de cara amarrada e pouca conversa, que até revólver usava para dar uns tiros em quem se atrevera invadir a propriedade dos padres para roubar frutas do pomar, galinhas dos galinheiros e tomar banho na piscina feita de pedras em meio uma vertente de água que descia em um riacho distante quinhentos metros do campo santo. Muitas foram as vezes que tive que voltar de lá pelado atravessando o mato até minha casa não muito longe dali. Costumava delatar a meninada na missa dominical sem dar nomes aos bois. Sempre peitei o velho ranzinza, e isso lhe deixava muito bravo.

Eu, coroinha escolhido pelo vigário da paróquia, tinha lá minhas regalias e perdões. Mas fato é que várias foram as boas deles que sempre flagrei. Meu primeiro instrumento musical, costumo dizer, foi o sino da igreja. E foi mesmo. Que som, meus camaradas, que som! Menino franzino que era, me dependurava naquela corda e a cada puxada alcançava um nó acima e voava em sonhos na imaginação.

A primeira missa que servi como um dos anjinhos do padre foi inesquecível, todo arrumadinho com aquela batinha “meio saia”. Éramos em dois, um saía na frente  e tocava a sineta pendurada no lado direito do altar, o padre ia no meio e eu em seguida. Nessa primeira missa eu fui o último na fila e logo ao chegar em frente à mesa o primeiro coroinha e o padre viravam-se para o altar e fizeram a genuflexão e o sinal da cruz. E eu, como vinha atrás e naquele dia garboso e nervoso, me ative adentrar no altar com toda minha atenção para os fiéis que levantavam para o início da missa. Quando o padre se ajoelhou, distraído, eu tropecei em seus pés e me estatelei no altar. Foi aquela gargalhada dos fiéis presentes e até do padre! Não muito contente com aquilo tudo, jurei me cobrar de todos.

E assim fiz. Muitas foram as vezes que fiz as velhinhas abrirem a boca rápidas para a hora da comunhão no inverno, quando colocava a bandejinha geladinha embaixo dos queixos das ditas. Acabei sendo expulso do corpo de coroinhas, por estas e outras piores. Éramos em dez ou doze escalados em reuniões na segunda-feira na casa canônica. O motivo final de minha expulsão foi logicamente torpe: comi duas bandejas de deliciosas hóstias feitas pelas freiras artesanalmente com leite, água e farinha e tomei uma saborosa garrafa de vinho tinto destinado ao uso do padre, fabricado pelo melhor produtor das cercanias onde morei. De santo, portanto, nunca tive nada, mas nunca passei de um travesso moleque divertido.

Seguidamente hoje em dia volto àquela igreja, que fez parte da minha vida e participo da missa, e minha cabeça roda de tantas boas recordações como essas que conto e outras nem tanto e que nem me atrevo contar, pois padres nem religiosos nunca me cheiraram bem, ou ao menos com o tempo e com a vida fui aprendendo que nem todos, infelizmente a maioria, são sinônimo de moralidade. Fato é que anos atrás um padre foi assassinado naquela casa canônica por ter sido flagrado com a mulher do próximo, o qual não perdoou o “santo padre”: crivou-o de balas. Pois é! Existiu e existe até hoje padres tarados que são motivos até de folclore. Certa feita, ouvimos até uma piada acerca de um desses garanhões. Nu, diante do espelho, certo individuo perguntava: “Espelho meu, espelho meu! Existe no mundo um cara mais tarado que eu?” E o espelho respondia: “Depende. O padre fulano-de-tal já morreu?” Barbaridade… é de rir-se para não chorar!

Se existe alguma moral da história, usaria as palavras de Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”, o que em tempos atuais vale para tudo e todos.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução de internet.

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2 Comentários

  1. Meu filho está perdoado.Pequenos pecados e pequenos vicíos,o que é duas bandejas de hóstias e uma garafa de vinho hahahaaaa muito bom.

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