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ARTIGO. Débora Dias e a nova lei que, em boa hora, fez da importunação sexual um crime que leva à prisão

Importunação Sexual: da necessidade da intervenção penal

Por DÉBORA DIAS (*)

Esse pequeno ensaio não tem a pretensão de ser jurídico, não com profundidade, já que não estamos escrevendo para uma revista virtual jurídica, mas pretende sim provocar a reflexão de quando há necessidade da intervenção do Direito Penal, da mão máxima do Estado, que é a aplicação da lei penal, a qual poderá tolher um dos direitos fundamentais do ser humano, a liberdade.

Um dos princípios penais fundamentais é o da Intervenção Mínima do Direito penal, que quer dizer que o Direito Penal, a lei criminal, somente deve intervir na conduta e punição dos homens quando outras searas do direito não resolverem o problema, quando não se pode de outra maneira solucionar aquele problema, isto porque, o Direito Criminal tem como uma das suas características ser sancionador, ou seja, aplicar sanções, penas, e essencialmente a de prisão. Por isso, não deve ser aplicado para toda e qualquer conduta.

Isso tudo para dizer que muitas vezes entendo desnecessária a aplicação do Direito Penal, criminalizando condutas sem necessidade, as quais poderiam ser impedidas ou punidas de outra forma. Por exemplo, na seara administrative, com multas a contravenção da perturbação do sossego alheio, que é aquela em que se usa o som de veículos ou outros perturbando o sossego e tranquilidade dos vizinhos. Para essa conduta, uma boa multa seria muito mais producente.

Agora a Lei nº 13.781 de 2018 fez diversas alterações e criou alguns tipos (crimes) penais, dentre eles a importunação sexual, do que iremos falar. Andou muito bem o legislador em inovar com esse crime, e explico os porquês.

O delito de importunação sexual veio a preencher uma lacuna jurídica diante de comportamentos criminosos que tantas vezes ficam impunes, ou sem a eficiente punição, diante da legislação falha, até então.

Dentre os crimes contra a dignidade sexual nós temos o estupro do artigo 213 do Código Penal e tínhamos a contravenção penal do artigo 61, que era importunar alguém em lugar público ou acessível ao público, ofendendo-lhe o pudor.

A importunação sexual veio para se adequar aos criminosos que aproveitam para satisfazer seus desejos sexuais sem permissão da vítima. O tipo diz: “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, a pena é de 1 a 5 anos de reclusão.

Os autores do crime podem ser tanto homens quanto mulheres e as vítimas também podem ser tanto homens quanto mulheres, mas observamos que as vítimas, na sua esmagadora maioria, são mulheres. São casos que ocorrem principalmente em transporte público, ou lugares de tumulto ou, ainda, nas ruas mesmo, quando o autor se aproveita e toca em partes íntimas da mulher, como os seios.

Há um tempo, um homem foi preso em nossa cidade porque teria encostado o órgão genital em uma mulher, dentro de um supermercado. Inicialmente foi atuado como estupro, mas depois indiciado pela contravenção referida, isto porque no estupro exige-se que haja violência (física) ou grave ameaça, o quê não havia no caso e aí o indiciamento mais adequado era o da contravenção, dando uma sensação de impunidade e pouca ou nenhuma resposta do estado, diante da violência e constrangimento proporcionado à vítima.

Hoje, aquela atitude se enquadraria no tipo da violação sexual e se preso em flagrante não seria arbitrada fiança em sede policial, o que significa que o autor iria pra o presídio, podendo ser arbitrado fiança pelo juiz, em momento posterior.

É a melhor solução? Muitos vão dizer que não. E, realmente, acredito que a melhor solução é o respeito pelas mulheres, é a educação, é esse tipo de homem saber que o corpo da mulher não é público e que ele somente pode tocar, pegar ou ter qualquer atitude de cunho sexual se ela quiser e permitir. Então, a melhor resposta seria uma mudança de comportamento.

Mas, enquanto não temos isso, entendo que uma endurecida na lei penal não vai fazer mal àqueles que não sabem o quê significa limites. É crime, sim, atentar contra a dignidade e liberdade sexual de outro ser humano, mesmo que não seja usada a violência física explícita. O meu direito e a minha liberdade vão até onde inicia a liberdade e o direito do outro. Se descumprir essa máxima, de modo que atinja direitos fundamentais, como a liberdade sexual, há a intervenção do Estado e aí vão ter consequências. No caso em discussão, a prisão; simples assim.

(*) Débora Dias é Diretora de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto que ilustra este artigo é uma reprodução de internet.

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