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CRÔNICA. Orlando Fonseca e as inquietações que aparecem junto com um novo tipo de leitor, o digital

Leitores digitais

Por ORLANDO FONSECA (*)

Tenho quase certeza de que, se o leitor deste texto se interessou por iniciá-lo e está disposto a prosseguir na leitura até o fim do último parágrafo, deve estar na faixa considerada adulta. E dentre os componentes deste grupo, a probabilidade de que tenha mais de 40 anos é muito grande. O mais improvável é que um guri, com menos de 12 anos tenha chegado até aqui, e devem ser raros os que nasceram depois do ano 2000.

Não estou tentando ser bidu digital, apenas tomo por base as pesquisas de opinião e dos hábitos de leitura do brasileiro. E as estatísticas de leitura no país, além dos números constrangedores, podem embasar afirmações como as que fiz até este trecho.

Nos números gerais, lemos pouco, e cada vez mais as plataformas digitais ganham o interesse dos nossos conterrâneos, mas não é para dedicar muito tempo à leitura. Os veículos impressos tendem a desaparecer. Os jornais, em primeiro lugar, as revistas em segundo e os livros podem demorar um tempo maior, entretanto, a depender dos brasileiros, logo vão virar objetos de museus, e as gráficas e editoras vão ter de imprimir outras coisas.

Embora o interesse pelo que circula nos meios digitais, o interesse está mais nas redes sociais. Os portais de notícia são visitados por apressados leitores que só visualizam as manchetes e uma que outra nota de, no máximo, 140 caracteres. Os equipamentos conhecidos como leitores digitais de obras completas, os e-readers, ainda não fizeram sucesso por aqui. Textos do tamanho deste estão fadados ao insucesso e leitores como o prezado amigo, que me acompanha, uma raridade.

O canal da BBC para o Brasil, publicou uma matéria, no mês passado que me chamou a atenção. Uma neurocientista americana, da Universidade da Califórnia, afirma que os hábitos digitais podem estar atrofiando nossa habilidade de leitura e compreensão, e não apenas dos textos escritos.

Acontece que a capacidade humana de processar argumentos e sutilezas da interpretação desenvolveu-se através de um circuito cerebral que já conta mais de 6 mil anos. A necessidade de contar – geradora dos números – e a de registrar – geradora dos sinais gráficos (que deram nas letras) – trouxe benefícios para a nossa capacidade de raciocínio, aprimorada com a produção de livros, jornais e revistas.

Ainda que a nossa capacidade de falar, portanto, de expressão, tenha equipamentos genéticos, a leitura é uma aquisição da experiência da civilização. Foi assim que evoluímos ao ponto do progresso técnico/científico e desenvolvimento cultural em que nos encontramos hoje. Contudo, com a mudança brutal trazida pela conectividade instantânea, isso corre perigo com a leitura sem profundidade praticada pela maioria hoje.

Segundo Marianne Wolf, em um cenário de leitura apenas superficial, “o circuito da leitura no cérebro não vai alocar tempo suficiente para um processamento cognitivo”. Esse é necessário para um processamento crítico, o que explica por que as fake news proliferam, e assim como o “conto do vigário”, é incrível que haja pessoas que ainda caiam no seu engodo.

A minha referência à faixa etária do digníssimo leitor, ou leitora, parte desta minha preocupação em ver que as crianças estão cada vez mais expostas à sedução da tecnologia de smartphones, tablets e computador. Isso aponta para inquietações cada vez maiores dos pedagogos, em relação ao futuro da própria humanidade.

Óbvio que o mercado quer vender as suas novidades, não está preocupado em corrigir distorções, mesmo nesta grandeza. Certo, porém, é que se não houver uma mudança drástica, a desumanização pode estar ganhando força através da incapacidade de entendimento, primeiro dos textos, depois entre os seres humanos, e por fim, do próprio mundo. Estou sendo dramático, mas é de propósito.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃOa imagem que ilustra esta matéria é uma reprodução da internet.

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