CRÔNICA. Pylla Kroth em nova aventura infantil. E a sardinha (vencida?) é protagonista. Ela e aquele elixir!
Sardinha paregórica
Por PYLLA KROTH (*)
Naquele povoado no quarto distrito de Soledade havia uma solidão que insistia em querer namorar um garoto que de vez em quando flertava com ela. O motivo dele talvez fosse aquele silêncio do tempo, onde o único som era o das marteladas na bigorna do ferreiro não muito distante da venda onde ele trabalhava, além do barulho dos pássaros, do vento minuano soprando e dos mugidos dos bois na pastagem ao lado.
Afora essa cacofonia fascinante para o menino, somente o ronco do seu comparsa no cochilo enquanto esperavam algum cliente que chegaria de quando em quando a cavalo, trazendo alguns grãos no lombo do bicho ou eventualmente puxando uma carroça para trocar por “fazenda”, como chamava-se uma peça de tecido, remédios, fumo, querosene etc… A “venda” era a famosa casa dos secos & molhados. Ali era a “sede” do distrito, por assim dizer, e os viventes andavam no mínimo duas léguas para chegar ao dito local.
Numa tarde ensolarada de uma linda primavera a cena se repetia quando o barulho das patas do cavalo despertou a atenção. Adentrou no estabelecimento, desta feita, o Seu Bertoldo, um velho freguês e alambrador por herança, trazendo em sua mala de garupa alguns quilos de feijão de vagem para fazer a permuta. Largou um medonho “buenas tarde”, sentou na cadeira do balcão e foi logo pedindo uma lata de sardinha, um copo de vinho branco seco e algumas gramas de biscoito antes de mais nada. Prontamente o menino lhe serviu. Dava-lhe gosto de ver o velho peão se lambuzando com aquela deliciosa sardinha com nacos de biscoito e de quando em quando dando um “golito” no vinho. Veio aquela vontade irresistível de comer a mesma coisa, tamanho era o apetite que observava diante de si.
Até que o garoto não se conteve e, impossibilitado de comer uma lata de sardinha ali na frente dos dois, junto de suas lombrigas resolveu que iria ao banheiro e logo voltaria servir as compras de seu Bertoldo. Antes de sair, enfiou uma lata de sardinha dentro de um bolso, alguns biscoitos e o abridor, furtivamente, é claro. Saiu em disparada como quem tivesse com diarréia e foi até o fundo do estabelecimento onde situava se também a “patente”, aquela casinha que servia de banheiro, abriu a lata e como quem não comia havia dias, se lambuzou na comilança apressada cheio de vontade. Coisa bem boa!
Satisfeito, após terminar, voltou rapidamente para a venda. Tratou de providenciar os pedidos do Seu Bertoldo. Coisas triviais: algumas gramas de fumo em corda, uma garrafa de querosene, uma cartela de Fontol, ou Melhoral, dois punhados de balas de hortelã e mais algumas coisinhas. Seu Bertoldo, agradecido, acertou o valor da compra em produtos com o caixa da venda, o companheiro de trabalho do menino, que era também o proprietário do estabelecimento, e saiu a galope rumo ao seu destino.
Passados uns dez minutos da saída do Seu Bertoldo, o caixa começou a dizer que só podia haver alguma coisa errada com a sardinha que o menino havia servido para o cliente. Pois o cheiro era muito intenso no ambiente, não era comum “tanto ranço de peixe” quando serviam sardinhas no balcão, o que aliás era uma situação muito comum, afinal era um dos petiscos favoritos dos clientes da venda. Gritou para o guri que fosse até a prateleira e trouxesse uma lata de sardinha para verificar o prazo de validade da mesma. Pois dito e feito! Lá estava a data e o produto havia vencido havia meses.
O menino sem querer deu uma passada de mão na barriga. O caixa ainda lhe indagou: “não comeu alguma sobra da lata não é?”, pois já conhecia bem os hábitos do alarife, que sempre raspava a lata quando ficava algum pedaço para trás. E o menino virou pra ele e respondeu negativamente, um tanto vexado. “Mas por que está com a mão na boca do estomago, então?”, insistiu, desconfiado. E o menino prontamente: “Essa dor de barriga já venho com ela tem dois dias, por isso fui ao banheiro quando estava atendendo o seu Bertoldo!” Na hora o outro levantou, foi até a prateleira e fez o guri tomar uma boa dose de Elixir Paregórico.
Proximamente foi uma “cagança” desgraçada, lembrada até hoje pelo menino. Mas a sardinha vencida….esta ele come até hoje! Inclusive na sexta-feira passada a mulher deste menino fez uma pizza de sardinha deliciosa e ele confessou este crime para ela às gargalhadas.
Fica a dica: sardinha com biscoitos. Uma maravilha! Mas verifiquem sempre a data de validade na latinha, certo? Para evitar o Elixir Paregórico, por favor! Até por que… parece que a ida ao banheiro para a “número dois” anda em vias de se tornar regulada, ouvi falar!
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A ilustração que você vê aqui é uma reprodução de internet.
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