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CRÔNICA. Orlando Fonseca e abusos cotidianos. Eles estão no Esporte, na Política, no Judiciário e por aí vai

Abuso de autoridade           

Por ORLANDO FONSECA (*)

Quando nos deparamos no espaço público com uma cena, cada vez mais comum, de um guri birrento e um pai violento, ou uma garotinha enfezada e uma mãe transtornada, temos em síntese dramática um sintoma epidêmico quanto ao caráter atual do ser humano.

Percebe-se um quadro crítico na atualidade, não apenas no Brasil, mas no mundo todo, envolvendo boa parte do que chamamos humanidade e da porção que conhecemos historicamente como civilização. E isso tem o nome de crise de autoridade.

Também podemos dizer, no nosso caso doméstico – em termos nacionais – de “autoridade em crise”. Ou seja, assim como os pais passam por uma desconsideração quanto à sua ascendência moral sobre os filhos, as instituições estão em descrédito geral, a população, os grupos sociais, os indivíduos já não se dão o devido respeito.

Tivemos uma semana cheia, neste quesito, nas manchetes do noticiário nacional. O jogador do Fluminense – um time mergulhado em várias crises – Paulo Henrique Ganso, ao ser substituído pelo treinador, sai de campo visivelmente irritado, e dirigindo palavras de baixo calão ao Oswaldo de Oliveira.

Esse não se coloca no lugar de autoridade devida, e responde no mesmo tom. A torcida, descontente com tudo o que envolve o seu time do coração, reage como sabe a massa ignara. O comandante tricolor carioca responde com o dedo médio em riste.

Não durou mais do que 24 horas no cargo – que ocupava há um mês – pois a direção, que também está perdida em sua gestão, tomou partido do conhecido Camisa 10, metido de pato a ganso, criador de casos por onde passa.

Em outro campo, o da justiça – que deveria ser com letra maiúscula, por envolver agentes da Alta Corte do país, só que não – o ex-Procurador Geral, Rodrigo Janot, em uma espécie de sincericídio, confessa que, em determinado momento de sua atividade, decidiu e foi armado ao STF para dar um tiro no ministro Gilmar Mendes, e depois se matar.

Se isso fosse uma conversa de bar, envolvendo algum líder de torcida organizada do Fluminense, Flamengo ou de outro clube que fosse, poderia ser considerada uma bobagem, uma diatribe. Acontece que a fala é parte de uma entrevista para a Revista Veja, a qual divulgou áudio e tudo o mais.

Em alguma coisa o brasileiro comum precisa acreditar: se não pode confiar nos treinadores de seus times, nos Camisa 10, nem nos altos magistrados, vai depositar confiança em quem, no que, para vislumbrar um futuro que não espelhe esta grandeza de indigência humana?

Nesta semana também, o governo federal sancionou a Lei do Abuso de Autoridade, com vetos, e com muita discussão, não apenas nos gabinetes em Brasília, mas por toda parte em que o povo sente de perto a grande mão do sistema, e sem a possibilidade de escapar das balas perdidas.

Especialistas comentam que a que vitimou a menina Ágatha, numa guerra entre policiais despreparados e bandidos, em um Rio de Janeiro cada vez mais conflagrado, foi decisiva para mudanças na tal lei.

Por exemplo, a tal da “excludente de ilicitude”, dispositivo legal pelo qual um policial poderia ser inocentado ao atentar, com uma arma em punho, contra a vida de um cidadão, se motivado por medo, surpresa ou forte emoção.

Eu pergunto, abestalhado: como um profissional treinado para agir, na maior parte de sua atividade, em ambiente de tensão e conflito, pode ter medo, ou ser surpreendido? Não é à toa que tantas balas perdidas atingem a população civil inocente, desprotegida e incauta, circulando pelo cenário de crimes, não apenas dos marginais e fora-da-lei. Aliás, está mesmo difícil saber o que fazem, mesmo, os que estão dentro-da-lei.

Mas o que esperar de um país, no qual um candidato a embaixador da Maior Potência do planeta, posta uns desaforos contra uma garota de 16 anos, a ativista ambiental Greta Thumberg, com fake news? Estamos bombardeados por reação abusiva e ataques sem-noção de quem devia conduzir a Nação.

Pergunto, drummondianamente: para onde, José, para onde?

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: A foto que ilustra esta crônica, com as imagens de Gilmar Mendes e Rodrigo Janot, é de Lula Marques/Divulgação e pode ser encontrada em reportagem originalmente publicada no Correio Braziliense (AQUI).

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