ComportamentoCrônica

CRÔNICA. Pylla Kroth e o sobrenatural. Vale até o tal de ‘mau olhado’. Mas, no fim, tudo termina bem. Né?

Um Senhor Final

Por PYLLA KROTH (*)

Às vezes me parece incrível e estapafúrdia a idéia de que em plena contemporaneidade o ser humano possa ser tão supersticioso em alguns aspectos quanto talvez fossem os nossos antepassados na idade das trevas, por exemplo. Nunca consegui compreender adequadamente as crendices populares, as origens de muitos mitos e crenças e a intrincada forma como eles se entrelaçam, da mesma forma que as questões de fé são para mim um mistério ou, pelo menos, de difícil explicação. O que me faz, portanto, respeitar o direito individual das pessoas de acreditarem no que bem entenderem e escolherem acreditar.

Duvido que haja alguém que nunca tenha conhecido ou presenciado outro alguém que atribua eventualmente alguma das mais complicadas mazelas da vida a uma “onda de má sorte”. Há daqueles que dizem em casos extremos terem sido atingidos por “mau-olhado”, ou “olho gordo”, ou inveja alheia, ou coisa que o valha que supostamente justificaria perdas e danos injustificados e até a própria onda de “má-sorte”.

E há dos casos mais dramáticos, onde realmente quero chegar, em que afirmam ser vítimas de um “trabalho”, uma “macumba”, um “feitiço”, uma “bruxaria” que lhe tenha sido feito por alguém que “lida com o mal”. E atualmente parece estar muito em voga as pessoas atribuírem as coisas desagradáveis que lhes acontecem pessoalmente ou até mesmo acontecem ao mundo em geral em alguns casos à “energias negativas”.

Ontem mesmo estive numa casa onde comentaram que o ambiente de trabalho estava “muito carregado de energias ruins” e que esta seria a razão pela qual os negócios andavam mal das pernas e nada iria “para frente” e a culpa seria de determinada pessoa que frequenta o local e estaria provocando este fluxo de “energia ruim”.

Noutra ocasião em um dos meus escritos aqui falei sobre amuletos e objetos dos quais as pessoas que crêem na existência de tais energias e suas influências se munem para combatê-las ou pelo menos se protegerem delas. E nesta terça pela manhã, coincidentemente, li um artigo online compartilhado por alguém numa rede social a respeito da ascensão das influencers esotéricas que lucram com a venda de supostos benefícios de amuletos como “pedras mágicas”, tutoriais que vão desde a construção de altares e rituais de “bruxaria moderna”, terapias curativas e esoterismo em geral, algumas até mesmo oferecendo “consultas espirituais” por teleconferência.

É a modernização e a glamourização da velha e famosa consulta à “vidente” ou “taróloga”, ou em alguns casos a “curandeira” ou “benzedeira”, que antigamente se restringiam a salinhas privadas em galerias decadentes ou um quartinho das próprias residências destas profissionais, muitas com fama de charlatãs as quais geralmente recorriam as pessoas desesperadas por soluções miraculosas para seus problemas cotidianos.

Não são poucas as ocasiões e nem as pessoas que ao longo desta minha vida já me relataram ter recorrido a “consultas” com “conselheiros espirituais”, que é a nomenclatura politicamente correta mais utilizada, e que tiveram suas vidas mudadas “da água párea o vinho” depois que o tal fulano ou a tal fulana “desmanchou um trabalho muito poderoso” que supostamente lhes havia sido “feito” por algum inimigo mal-intencionado. “

Trabalho”, no caso, referindo-se a uma espécie de magia ou bruxaria com intuito de provocar o mal. Eu confesso que nunca entendi muito bem como isso funcionaria, mas ok, quem sou eu para questionar a fé alheia ou o sobrenatural? Quantas vezes eu mesmo senti meus dias ficarem mais leves ou melhorarem significativamente depois de fazer uma oração e acender uma velinha para minha santinha de devoção?

Mas confesso que fico “encucado” demais refletindo sobre isto, a ponto de tecer conjecturas que me façam entender de alguma forma por que é tão fomentada e que receba tanto crédito a idéia de que alguém possa ser capaz de “fazer um trabalho” com intuito de maldade para o alheio.

Percebi então que fala-se  muito da “aura” das pessoas e, por mais ignorante que eu me julgue quanto ao sobrenatural, é indubitável que existem mesmo pessoas que emitem emanações desagradáveis com a sua simples presença em um ambiente. Até mesmo eu, que não creio ter nenhuma habilidade especial de perceber tais coisas, consigo captar quando uma pessoa irradia malevolência. E vou lhes dizer: infelizmente tem muita gente assim neste mundo! Parece estar repleto delas e cada vez mais poluído pelo ranço da maldade e do ódio, de uma forma que até a respiração fica difícil, contaminando com desgosto, frustração e decepção todo mundo ao redor.

É tão triste, deprimente e angustiante pensar que o mundo e as pessoas se tornaram tão feias de caráter, que a maldade parece ser dominante ou estar em vias de se tornar dominante sobre a bondade, que o ódio é disseminado e incentivado em detrimento do amor e da compaixão e que quase não há muito espaço para se cultivar a esperança de mudança para melhor!

Chateado com minhas constatações, estava matutando uma maneira de escrever sobre este assunto sem recair num texto extremamente pragmático quando me lembrei de um personagem de uma trilogia de filmes muito famosa que gosto muito, inspirada num livro igualmente muito famoso, o qual quando passa, ao lado do protagonista, por um dos auges de seus muitos “perrengues”. Ele diz o seguinte: “Eu sei: não é justo. Nós nem deveríamos estar aqui. Mas estamos. É como nas grandes histórias, aquelas que realmente importavam. Elas eram repletas de escuridão e perigos. Às vezes você nem queria saber o final, pois como poderiam ter um final feliz? Como o mundo poderia voltar a ser um lugar bom depois de tanto mal? Mas, no fim, é apenas uma coisa passageira toda esta sombra.

Até a escuridão tem que passar. Um dia novo nascerá e quando o sol voltar a brilhar, brilhará com ainda mais força. Estas eram as histórias que realmente ficavam na lembrança, que significavam algo, mesmo que você fosse pequeno demais para entender. Mas eu acho que entendo, agora eu entendo sim: as pessoas destas histórias tinham várias oportunidades para desistir, voltar atrás, mas não voltavam. Elas continuavam por que tinham algo em que se agarrar!” E quando o protagonista, após ouvir este discurso, lhe pergunta “E nós, em que nos agarramos?”, lhe responde triunfalmente: “no bem que ainda existe neste mundo, Senhor Frodo, pelo qual vale a pena lutar!”

E nós, no que nos agarramos? Eu me agarro na esperança de que seja como nas grandes histórias como esta, que no final tudo termine bem, pois não é uma luta do bem contra o mal, não se trata disso, pelo contrário: no final é o próprio mal que se autodestrói! Um senhor dos finais!

(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35 anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A ilustração que você vê aqui é uma reprodução de internet.

 

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