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CRÔNICA. Orlando Fonseca e reflexões sobre o óleo nas praias nordestinas, segunda instância e por aí vai

Triunfo do senso comum

Por ORLANDO FONSECA (*)

Desde 30 de agosto, uma borra densa e escura atinge a costa brasileira no Nordeste. Já são 166 localidades e quase duzentas toneladas foram recolhidas em mutirão que envolve terceirizados da Petrobras e a população em geral. Trata-se de um dos maiores desastres ambientais emporcalhando grande parte dos cartões postais apreciados por turistas brasileiros e estrangeiros.

Embora a gravidade da situação, o governo federal demorou para levar a sério o episódio. Primeiramente, privilegiando lançar acusações sobre a origem da mancha de petróleo, apostando em fake news; depois criticando os ambientalistas que se levantaram contra a imobilidade oficial. Só então é que se formou uma força-tarefa para investigar – com seriedade – e analisar o impacto ambiental.

É mais fácil, com certeza, acusar que o vazamento vem da Venezuela, ou então que havia um navio do Greenpeace passando por perto, e que, se não cometeu a insanidade de fazer um megaprotesto, nada fez para avisar da nefasta ocorrência. Entre descobrir e punir os culpados pelo desastre ambiental, melhor acusar e prender manifestantes que cobram uma atitude mais consequente das autoridades.

Após pesquisas realizadas pela UFBA, já se sabe que o composto das borras é formado por óleo cru; já passaram pelas teorias navios fantasmas, barris com identificação de uma grande petroleira, e tuítes do ministro jogando mais sujeira na mancha sinistra.

Em outra senda, como gostam os comentaristas jurídicos, as discussões sobre a prisão em segunda instância correm soltas pelo país. Como se fosse um debate comum em mesas de boteco, ou gabinetes refrigerados de grandes corporações, tais como os que questionam a decisão do árbitro que consultou o VAR e invalidou um pênalti, a galera argumenta sobre a decisão que o STF começou a votar esta semana.

Trata-se de mais um dos temas que caiu na vala comum das redes sociais, e aí se misturou – feito a borra de óleo cru – com posições ideológicas antagônicas. Não está mais em questão a legalidade – ou mais especificamente a constitucionalidade – do trânsito em julgado, ou do princípio universal da presunção da inocência até prova em contrário. Tudo recai sobre os fatos recentes da conjuntura, cujas mudanças são frutos, exatamente, das mudanças de entendimento do assunto, na esfera jurídica.

O senso comum não se importa em considerar a posição – tanto a oficial, quanto a popular – um casuísmo. Porque tem um ex-presidente preso odiado por muitos, é possível criar argumentos a favor da prisão, mesmo que haja questionamentos em relação ao processo, ao julgamento e à prisão. Mesmo que seja contra a Constituição. Não importa.

Claro que, se fosse com alguém próximo de quem argumenta a favor, parente, amigo, correligionário, a coisa seria diferente. Inclusive não pode valer. A Constituição é o que garante a vida republicana, a ordem social e democrática.

Vivemos em tempo de teorias sobre a Terra plana, o famigerado terraplanismo, e seu triunfo do senso comum. Não importa o laranjal no partido do presidente; não importa a rachadinha entre os funcionários do filho do presidente; não interessa o Queiroz et caterva.

As praias do Brasil, ensolaradas – como ouvíamos da canção ufanista em plena ditadura militar – já não são mais as mesmas, atingidas por toneladas de inoperância. Até mesmo aquele nefando evento histórico passa por uma avalanche revisionista. Eu aqui gostaria de cantar com aquela ingênua alegria: “La-la-lá-la! […] Eu te amo meu Brasil, eu te amo”. Mas tá difícil.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: A imagem do oleo que invadiu as praias nordestinas (no caso, em Alagoas) e que ilustra esta crônica é uma foto de Felipe Brasil (Fotos Públicas) e pode ser encontrada, por exemplo, em reportagem originalmente publicada no jornal El País (AQUI).

 

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