ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, Porta dos Fundos e a indignação seletiva dos conservadores
A fé que nos cega
Por Michael Almeida di Giacomo*
As mais diversas formas de expressão de fé na existência de um Deus, e seu legado à humanidade, por séculos coloca em lados opostos pessoas que, sob à doutrina divina, deveriam se reconhecer como irmãos.
As diferentes visões em relação ao próprio papel de Jesus Cristo, por meio das religiões como o cristianismo, o islamismo xiita, ou o judaísmo, por si já servem como um diferenciador dos dogmas na reverência ao Deus de cada um.
As inúmeras guerras em nome da fé e, a ainda presente perseguição a cristãos, mulçumanos e judeus, corrobora para a assertiva de que a própria palavra de paz e harmonia entre as pessoas e nações é ignorada ou, no mínimo, incompreendida.
Essa maneira de proferir e cultuar de forma cega um dogma teve seu episódio em solo brasileiro com a polêmica envolvendo o grupo Porta dos Fundos, no especial de Natal de 2019. O grupo humorístico retratou um Jesus Cristo diferente do que a comunidade religiosa está acostumada e aceita como verdade absoluta.
O Porta dos Fundos, que há tempo faz um grande sucesso na Internet, trouxe em seu novo esquete um Cristo que não queria aceitar sua missão, pois, gostaria de ter uma vida comum, sem grandes responsabilidades. Porém, o que provocou a ira de alguns foi o fato de que esse mesmo Jesus teve uma relação homoafetiva. É o que chamamos de liberdade de expressão artística, pouco aceita por muitos que ainda habitam as cavernas e são adeptos da intolerância como mantra de vida.
A reação negativa de parte da comunidade religiosa tem muito a ver com o momento de obscurantismo intelectual que o Brasil está vivendo, onde o próprio presidente da nação reclama de livros com muitas palavras. Onde a capacidade cognitiva das pessoas perdeu espaço para a leitura de textos com poucas linhas e muitas Fake News. É o novo formato do homem conservador no século XXI.
Minha convicção se dá, pois, no especial de Natal do ano de 2018, o mesmo grupo humorístico apresentou um Judas amigo e defensor de Cristo. E o mais intrigante; também era homossexual, ou ao menos supunha-se que fosse. Naquele esquete não foi Judas quem traiu Jesus, mas todos os outros apóstolos é que foram responsáveis por sua crucificação. E Judas levou a culpa.
No entanto, não houve todo o sectarismo e radicalismo que presenciamos agora. Inclusive, com juristas, no uso de seu “poder” de interpretação da legislação, impondo censura à exibição do episódio no serviço de streaming Netflix, ao velho estilo de Inquisição da Igreja Católica.
Nessa discussão do que é a liberdade de expressão é o que é ofensa à fé divina (discussão estéril), o que mais surpreende é o fato de que os mesmos conservadores, que louvam à um Jesus branco, de olhos azuis e cabelos longos – um judeu do Oriente Médio que na verdade era negro – não se levantam contra a prática comum e recorrente de pedofilia no ambiente da Igreja Católica, ou quando um pastor invoca os fiéis a colocar a mão no bolso para financiar a boa vida de poucos “iluminados”. O religioso conservador brasileiro tem o que pode ser chamado de indignação seletiva a fim de justificar e aceitar, com parcimônia, o obscurantismo. É a mais pura cegueira.
*Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestrando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A foto é uma reprodução da Internet. Retrata personagem Jesus Cristo da obra “O Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna.
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