Comportamento

ARTIGO. “Não basta o conhecimento para que a evolução humana ocorra”, diz Luciano Ribas

Em nome do óbvio

Por Luciano Ribas*

Não sei se vocês leram a crônica do Luiz Fernando Veríssimo sobre a carta de Albert Camus ao general Charles de Gaulle. Se não leram, recomendo que o façam e, principalmente, que sigam o conselho final do escritor gaúcho, que nos conclama a lembrar do que estamos defendendo quando combatemos a escuridão – toda a escuridão, inclusive a que se camufla em devaneios verde-oliva.

Mas exatamente o quê defendemos nesse ano de 2020?

A resposta é simples: o óbvio. Ou seja, que a Terra é um geoide achatado nos polos, que ela descreve uma órbita elíptica em torno do sol, que as cores não têm sexo, que a fiscalização nas estradas reduz as mortes por acidentes, que as vidas de todas as pessoas importam, que a Amazônia precisa ser preservada, que devemos agir para minimizar o aquecimento global, que o ônus da prova é do acusador, que nenhuma mulher “merece” ser agredida ou estuprada, que as vacinas não são um projeto de extermínio e até, pasmem, que a palavra “impressionante” não é escrita com “C”.

Na verdade, no final da segunda década do século XXI estamos travando “batalhas” que pareciam vencidas em 1789, tendo que argumentar contra crendices da Idade Média e resistir aos fundamentalismos religiosos de todas os matizes.

Me pergunto se alguém esperava que, em pleno terceiro milênio, um espertalhão autoproclamado filósofo – capaz de dizer que “não há nada que refute que a Terra é plana” – tivesse tanta influência, sendo lido por gente “instruída” e que, em alguns casos, ocupa altos cargos na burocracia estatal (alguns providos por concurso público, inclusive)?

Como faço parte dos que não imaginavam isso tudo, desenvolvi vários sentimentos. Vou da incredulidade a outros que precisam ser controlados e combatidos, em nome da civilização. Dentre eles, por esses dias a ironia e a pena são os mais pronunciados, o que me leva a achar que as pessoas que “esticaram os dedinhos” merecem ter um indicador apontado para as suas testas.

Afinal, ver gente com formação acadêmica e “status social” tendo que defender um sujeito que, mesmo sendo presidente de uma das dez maiores economias do planeta, é capaz de fazer uma transmissão na internet assistindo, bovinamente, a fala daquele que parece considerar seu “mestre”, não merece pena? Ou parabenizando e apoiando pessoas desprezíveis e despreparadas como o ministro das Relações Exteriores e o da Educação? Ou figuras bizarras como a ministra Damares?

Para mim, isso prova que não basta o conhecimento para que a evolução humana ocorra. É preciso que valores morais sejam modificados para que as pessoas não se enredem nas armadilhas da desumanidade e do autoritarismo, especialmente aquelas cujas índoles tendem a naturalizar a exclusão, a violência e as desumanidades. Não esqueçamos que a Gestapo estava cheia de doutores e que as atrocidades do Holocausto foram cometidas com precisão científica e metodologia apurada, algo que, temo eu, seria repetido hoje por muitos “cidadãos e cidadãs de bem” com os quais convivemos.

Bertolt Brecht se questionava, estupefato, sobre esses tempos onde é preciso defender o óbvio. Pois, infelizmente, são os nossos dias e deles não podemos fugir, mesmo que o custo seja alto e, volta e meia, pareçamos ser os últimos combatentes da causa democrática. De resistência em resistência um dia o jogo vira e a civilização volta a se afirmar.

* Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É presidente do Conselho Municipal de Política Cultural e um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública.

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Foto: bondinho do Pão de Açúcar saindo das “brumas”, no Rio de Janeiro.

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