ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo e a cultura na qual o interesse individual prevalece sobre o coletivo
A falta de empatia e o exercício da cidadania
Por Michael Almeida Di Giacomo*
Na última semana, no programa timeline da Rádio Gaúcha, ouvi uma entrevista do ex-jogador da dupla Grenal, Paulo César Tinga. Ele conversava sobre um programa social que irá implantar na cidade de Porto Alegre.
Um dos momentos que me chamou a atenção foi quando ele falou sobre sua experiência durante o período que morou na Alemanha. Tinga relatou que, ao desconhecer a legislação do país, acabou por cometer algumas infrações e recebeu pesadas multas pecuniárias.
Entre as infrações cometidas uma foi a de lavar o carro na calçada, em frente de sua casa. Ao ser reprendido pela polícia local, foi informado que havia um local destinado a esse tipo de atividade em que a água era reaproveitada, por isso, não era permitido o desperdício de água tratada em uma atividade de menor relevância.
Ocorreram outras situações, como o dia em que foi viajar e deixar acessa a luz de um dos ambientes de sua casa. E, também, a de estar dirigindo tendo por autorização a carteira de habilitação internacional, quando já deveria ter requisitado a CNH do país.
A sua desatenção tem forte relação com a cultura oriunda de um país onde cometer pequenas infrações acaba por ser desconsiderado, pois, passam despercebidas por quem deveria fiscalizar ou por que já se tornou costume não dar atenção a gestos e ações que interferem no espaço do outro, ou mesmo no espaço público. E expõe um comportamento que é muito comum no Brasil. Sempre damos muita atenção aos nossos direitos, e isso não é ruim. No entanto, tantas outras vezes deixamos nossos deveres de lado.
E é no dia a dia das relações interpessoais que se torna possível evidenciar uma cultura onde a falta de empatia com o próximo passa a ter maior relevância do que o respeito ao indivíduo e a própria legislação que rege nossa sociedade. Isso nos leva a uma situação na qual é cada vez mais comum o interesse individual prevaleça sobre o coletivo, pouco importando o resultado.
De forma breve, é possível destacar o comportamento das pessoas na fila do supermercado. Há caixas para idosos, gestantes, pessoas com deficiências e até caixas para quem irá comprar um mínimo de até 10 produtos. Mas, para ganhar tempo, é muito comum o desrespeito ocorrer quando as pessoas, que não se encaixam nesses contextos, deixam de ir na fila que é destinada ao seu perfil.
Mas isso não ocorre somente em ambientes fechados. Nas ruas das cidades a falta de respeito é igualmente praticada. Estacionar em local proibido, mesmo que seja rapidinho, só para um embarque é tão comum que, ao receber a notificação, o infrator fica indignado com o sistema, sem considerar que está comprometendo o próprio bem-estar dos demais.
Em cidades de porte médio ou nas capitais esse tipo de situação é frequentemente flagrado pelos cidadãos. Os locais de maior destaque são os pontos destinados aos táxis e ao embarque e desembarque nas paradas de ônibus.
É muito comum que os motoristas de carros particulares, e até de empresas, usem esses espaços para breves paradas, para descarregar mercadorias, ou deixem os veículos estacionados para retornar em seguida. Isso acarreta transtornos que, às vezes, resultam em discussões entre os envolvidos.
Seria possível listar uma série de outras situações em que as normas de conduta ou mesmo a legislação específica não são respeitadas pelas pessoas. E é fácil a constatação de ser muito difícil mudar a cultura de um povo.
Ao que nos serve ao momento é o fato de que o todo da nossa sociedade é reflexo direto da forma como nos portamos em relação aos outros, ao ambiente a nossa volta e no quanto nossa consciência está tranquila em relação ao cumprimento de nossos deveres na condição de cidadãos.
Compreender que nosso espaço deve ser respeitado na mesma medida do espaço do outro, a partir da promoção do sentimento de empatia entre as pessoas, para além da obrigação do poder público em fiscalizar – o que se mostra ineficiente – é, sem dúvida, um dos principais componentes para o desenvolvimento de uma sociedade mais humana e fraterna.
*Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A foto que ilustra o artigo é uma reprodução da obra de Tarsila do Amaral.
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