ARTIGO. Michael Di Giacomo e a uberização
A uberização do assédio*
Por Michael Almeida Di Giacomo**
Na condição de passageiro, ainda no ano de 2015, passei a fazer uso do serviço de aplicativos para automóveis de passeio. À época, eu tinha um certo receio, pois, ainda não havia a regularização da prestação da nova opção de meio de transporte nas cidades.
O cuidado se dava, porque ao ocorrer algum sinistro, o usuário estaria sem a menor assistência, diferente dos serviços de táxis; embora fossem, e ainda continuam, muito precários.
Eu recordo, até por não fazer muito tempo, que os motoristas eram todos homens. Muitos eram aposentados, ou trabalhadores autônomos das mais diversas áreas. A lógica era justamente a proposta original do serviço de aplicativos. Ou seja, tinha por base que a pessoa dispusesse a outro uma “carona”. Afinal, ambos iriam percorrer o mesmo caminho e, desta forma, o proprietário do carro poderia auferir algum recurso.
Pois bem, desde então, com a crescente crise econômica que o país atravessa, a “carona” tornou-se modo de profissão e um meio de sobrevivência para um enorme contingente de pessoas. Inclusive, nas grandes capitais, muitas mulheres passaram a disponibilizar seus carros e, assim, ter uma nova fonte de renda.
Na ideia de popularizar o acesso e, consequentemente, torná-lo mais atrativo às pessoas, a fim de obter mais lucro, o serviço que era fornecido somente por meio de débito ou crédito no cartão passou a aceitar o pagamento em dinheiro. E esse foi o primeiro passo a fragilizar a posição do motorista. O resultado foi que, assim como nos táxis, hoje convive-se com muitos assaltos e até motoristas sendo mortos.
Mas esse não é o único problema. Com a popularização no acesso e também com o grande número de carros disponíveis, um outro fato passou a fazer parte do dia-a-dia das pessoas que prestam e daquelas que usam o serviço: o assédio às passageiras e às motoristas. Hoje, ao que parece, o risco de uma mulher não sofrer assédio ou mesmo agressões de ordem pessoal, é algo cada dia mais distante. Essa situação é exposta a todo o momento nos veículos da imprensa.
Assim, toda passageira tem que manter um check-list antes de entrar no carro, no qual deve: compartilhar o seu trajeto em tempo real com algum familiar; se for importunada, deve gravar o áudio em seu celular; ter atenção ao trajeto percorrido pelo motorista; sentar no banco de trás do veículo, entre outras, como procurar usar o serviço juntamente com outra pessoa. Enfim, quase uma preparação para ir à “guerra”.
E todo esse cuidado pode ainda não adiantar, porque o motorista, muitas vezes, usa o número do celular da passageira para lhe assediar. A situação de vulnerabilidade é ainda mais perigosa, pois, o referido, em boa parte das vezes, sabe o endereço da usuária.
Como dito anteriormente, as motoristas também são vítimas de situações de assédio, pois os usuários aproveitam-se do ambiente de proximidade para impor um contato físico e fazer perguntas de foro íntimo sobre sua vida. Há alguns que chegam a mostrar seu órgão genital, ou mesmo a insinuar que está excitado. É a barbárie social.
O mais interessante nesse tipo de acontecimento é que a usuária, por exemplo, não pode fazer nada contra a empresa, pois pelo seu caráter de prestação do serviço, não há uma responsabilidade direta em relação ao fato.
Cabe, então, denunciar o agressor. A empresa irá aplicar uma punição ao referido, suspensão ou exclusão da plataforma. A usuária poderá registrar boletim de ocorrência a fim de que o motorista seja responsabilizado na via judicial. O mesmo pode ser feito pela motorista em relação ao usuário que lhe assediar.
É de se perguntar: até onde vai tamanha falta de civilidade em nossa sociedade?
*O termo uberização não é uma referência direta ao app Uber. E sim, ao fato de que no Brasil às discussões relacionadas a economia do compartilhamento se intensificaram e ganharam o público mais amplo após as operações do Uber nas cidades. (SLEE, Tom, 2017, p. 9).
*Registra-se que os casos de assédio ocorrem em várias plataformas de prestação de serviços de automóveis.
**Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A imagem que ilustra o artigo é originária do site Polêmica Paraíba.
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