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ARTIGO. Débora Dias, morte do menino Miguel e as consequências jurídicas. Homicídio culposo ou doloso?

Caso Miguel. Homicídio Culposo ou Doloso?

Por DÉBORA DIAS (*)

Essa semana que passou nos chocou ainda mais, somando-se a todas as tragédias nacionais (Covid-19,   crise política, corrupção) e internacionais (morte de Jorge Floyd, cidadão afro-americano, morto por um policial branco em Minneapolis – EUA), a morte de Miguel Otávio Alves, menino negro, 5 anos,  deixado aos cuidados da patroa de sua mãe, tomou um elevador sozinho, caiu do 9º e morreu.  A Sra. Sarí Gaspar Cortes Real foi autuada em flagrante por homicídio culposo. Mas, a pergunta é , juridicamente, poderia ser ela autuada por homicídio doloso? Como? Por quê?

Esse espaço não é destinado a artigos jurídicos porque tem o objetivo de atingir um grande público e não somente profissionais da área do Direito. Mas achei interessante demais provocar essa discussão. Embora não tão de maneira profunda, mas um debate jurídico sobre o ocorrido, além de todos os outros aspectos que tomaram conta de nossa mídia nacional, como o fato de ser um menino negro, pobre, filho de empregada doméstica que devido a pandemia não tinha com quem deixar o filho e por isso estava com ela no emprego, da dor inimaginável da mãe ao ver o pequeno Miguel agonizando no piso frio do prédio de luxo, depois de ter caído do 9º andar, das discussões que surgiram sobre a fragilidade de milhões de pessoas de como a mãe de Miguel, são tão vulneráveis em igual proporção a sua vulnerabilidade econômica e social.

Mas o questionamento que pretendo propor aqui, de forma rápida, é o aspecto jurídico. Já em nossas primeiras aulas de Direito Penal, Parte Geral do Código Penal, apendemos sobre as diferenças do tipo culposo  e do tipo doloso. E no crime doloso o agente tem a intenção de cometer a conduta (vontade), seria o dolo direto. Ou, ainda, quando o agente assume o risco de produzir o resultado, o dolo indireto, ou seja, o agente é indiferente ao resultado, não o quer diretamente, mas também se ocorrer ele é indiferente, é o “tanto faz”.

Mas, para afirmarmos que no caso poderia ter ocorrido o dolo eventual, no caso concreto, teríamos que ter muito mais elementos sobre ele, não somente o que temos noticiado pela mídia. Assim, preliminarmente,  creio que  talvez não seja esse o comportamento que poderíamos, em hipótese, atribuir à Sra. Sari. Acredito que não, diante dos elementos que temos hoje.  Vejamos o caso: a mãe do menino foi determinada pela patroa que descesse para passear como cãozinho da família. Aí, a mãe de Miguel deixou o menino de 5 anos aos cuidados da patroa, enquanto ela passeava com o cãozinho. A Sra. Sarí, nesse momento, assumiu o compromisso de cuidar do menino até a mãe voltar, sua empregada. E ela não teve a diligência e cuidados necessários que deveriam ser dispensados para uma criança de 5 anos de idade. Ele queria ir atrás da mãe. Ela deixou. Inclusive apertou o número do elevador, 9º andar, e a porta do elevador fecha. O menino ainda aperta alguns botões do elevador, afinal estava sozinho. Essas são imagens disponibilizadas para divulgação.

A partir do momento que Sari assumiu a responsabilidade de ficar com Miguel, nunca esqueçamos, menino de apenas 5 anos de idade, ela é a figura, como o Direito chama de “garantidor” ou “garante” que aparece nos chamados crimes omissivos por comissão ou omissivos impróprios.

Bem, temos na teoria do crime, os crimes comissivos, aqueles que precisamos de uma ação do agente um agir (Ex. furto, lesão corporal) e temos os crimes omissivos (necessitam de uma omissão ou não ação do agente); aí a doutrina os divide em omissivos próprios ou puros (Ex. Omissão de Socorro, art. 135 do CP) e os omissivos impróprios ou impuros, que são aqueles que não basta o simples comportamento de abstenção do agente, o não fazer, mas é quando o não agir, o não fazer é penalmente relevante; o agente deveria fazer e não o fez, a sua omissão foi penalmente relevante e ele responde não pela simples omissão mas pelo resultado que ele deveria impedir.

Vou dar um exemplo de posição de garantidor determinado pela lei, que a situação do dever de proteção e zelo dos pais em relação aos filhos menores. Nessa situação, por exemplo, se uma mãe sabe que sua filha está sendo abusada sexualmente pelo padrasto e ela não  impede o abuso, reponde pelo resultado que ela deveria impedir, ou seja, o estupro. Assim, essa mãe, juntamente com o padrasto, responde por estupro de vulnerável.

Dito isso, entendo que a Sra. Sari, estava claramente na posição de garante a partir do momento em que ficou com o dever de zelo e cuidado pelo menino Miguel, essa assumiu esse  dever junto á mãe do menino, quando ela o deixou e  Sarí disse: “pode deixar que eu cuido”.

A partir do momento que ela assumiu esse posicionamento, ela ficou com o dever de zelo e cuidado por MIGUEL e tinha o dever de impedir o resultado, qual seja, o de sua morte mesmo que por acidente, o caso por negligência. Assim, ela deve responder sim pelo homicídio culposo, no mínimo, mas se durante a investigação não se apurar outros fatores que possam levar ao indiciamento pelo homicídio doloso.

Por fim, qualquer discussão jurídica é apenas mais uma discussão que não vai trazer de volta a vida do menino, mas serve de alerta, de reflexão, de ponderação de valores e que muitas vezes é tão difícil sair do castelo, das ruas perfeitas de um condomínio ou de uma vida equilibrada e perceber que nem todos estão acobertados por esse manto de “proteção”, mas por incrível que pareça, são vidas também. E realmente todas as vidas importam. É piegas? Eu digo que não, digo que é humano. Precisamos mais de humanidade.

(*) Débora Dias é a Delegada da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICoi), após ter ocupado a Diretoria de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

Observação do editor: A foto que ilustra este artigo, do menino Miguel Otávio Alves, é uma Reprodução de internet.

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