JUDICIÁRIO. Tribunal federal condena cineasta por discurso de ódio contra indígenas em curta metragem
Do portal Consultor Jurídico, em texto de TIAGO ANGELO e foto de MÁRIO VILELA (Funai)
O discurso de ódio constitui ato atentatório à dignidade humana, tratando-se de manifestação de pensamento não acobertada pelo ordenamento jurídico. Desta forma, sua vedação pelo Estado é legítima, assim como o reconhecimento do direito à reparação pelos danos causados.
Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região condenou o cineasta Reynaldo Paes de Barros ao pagamento de R$ 100 mil a títulos de danos morais coletivos. A decisão foi proferida na última terça-feira (12/5).
A ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, mira o curta-metragem “Matem… os Outros!”, dirigido por Barros. A obra retrata um diálogo travado entre dois fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul.
Na decisão, o relator do caso, desembargador Hélio Nogueira, destaca uma série de trechos do curta. Em um deles, o personagem “Chico” afirma: “depois vem a Funai lotada de parasitas e ladrões falar em preservar a cultura indígena. Que cultura? De piolho e beiços de pau? Essa gente vive fazendo fogo e riscando pedras. Vivem na idade da pedra lascada”.
Segundo a decisão, no único momento em que um indígena é retratado, ele aparece bêbado, tentando comprar cachaça. No entanto, é impedido pelo dono do bar, que diz não querer receber dinheiro da Fundação Nacional do Índio.
“Do exposto, é possível extrair, tanto a partir do teor dos diálogos, quanto da forma de caracterização do único personagem indígena a figurar no filme, a construção de um discurso veiculado com o fim de transmitir ideais preconceituosos e de ódio étnico, atentatórias à dignidade da comunidade indígena”, afirma a decisão.
Expressão x Dignidade
Para o relator, o discurso do filme excede os limites da liberdade de expressão por propagar uma mensagem de ódio e intolerância contra uma minoria que já é estigmatizada.
“O princípio da dignidade deve ser o vetor interpretativo através do qual se projeta a identificação dos limites a partir dos quais a livre manifestação de um indivíduo se converte em forma de lesão à dignidade do outro, legitimando-se, por conseguinte, a imposição de restrições à liberdade de expressão”, diz o magistrado.
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Ele ressalta que a ponderação de interesse envolvendo o discurso de ódio e a liberdade de expressão já foi equacionada no artigo 20 da lei 7.716/89, que criminaliza o racismo e estabelece a hipótese de restrição a liberdade de expressão em prol da proteção a dignidade da pessoa humana.
De acordo com o dispositivo, é crime, passível de reclusão de um a três anos, “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia religião ou procedência nacional”.
“O modo pelo qual os diálogos são estruturados na obra não possibilita a conclusão no sentido de que o filme visaria a promover um debate, a partir de uma confrontação substancial de perspectivas opostas. Em verdade, observa-se uma clara conformação homogênea de conteúdo das mensagens difundidas pelos personagens, as quais, ao longo do roteiro, são incisivas e progressivamente orientadas à consolidação de um discurso de intolerância, preconceito e ódio étnico”, conclui o desembargador.
Os R$ 100 mil serão destinados ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados. O valor de ingressos eventualmente vendidos para apresentações do filme também irão para o fundo.
A produção do filme custou R$ 40 mil. O dinheiro foi obtido por meio da Fundação de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul.
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