A nova realidade e as relações institucionais pós-Covid-19
Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)
Um dos efeitos fortemente sentidos no atual período pandêmico é a transição, antecipada, em muitos segmentos sociais do que se pode chamar de uma sociedade “analógica” para uma sociedade “digital”.
A mudança, muito presente na geração “millennials”, tem por fundo os avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas. Esse modelo resta por configurar um novo formato no comportamento e no padrão de consumo das pessoas, por consequência, em todo o meio à sua volta.
Nesse mundo digital, as relações interpessoais encontram inúmeras possibilidades. Um dos países que já vivencia essa nova realidade é a Estônia. O pequeno país do leste europeu é conhecido como sendo uma “democracia digital”. Os processos de reinvenção das estruturas de suas instituições tiveram início ainda no final do século passado. Hoje, na realidade estoniana, 99% dos serviços públicos são prestados no modo on-line.
Nesse período foi intensificada a oferta de educação digital para os adultos, implantado o uso de um único documento digital com dados da vida on-line e off-line de mais de 97,9% dos cidadãos. Uma das primeiras ferramentas produzidas a partir da expertise estoniana, e conhecida mundialmente, foi o desenvolvimento do software de comunicação instantânea Skype. O país europeu criou um sistema próprio de eleição de seus representantes políticos por meio de votação on-line, sobre o qual pretendo falar em um artigo futuro.
Por enquanto, em relação ao nosso contexto, vem a pergunta: é possível analisar qual o efeito na vida das pessoas e de nossos representantes, a partir da transição tecnológica a qual estamos submetidos com mais intensidade no período pandêmico? Na minha opinião, o principal é a facilidade de comunicação instantânea por meio de plataformas on-line.
Claro, você até poderá dizer: mas o telefone existe desde o século retrasado. Está certo. Porém, até pouco tempo, havia limitações nesse tipo de tecnologia, no caso, a falta de vídeo.
Nesse período de isolamento social, muitos profissionais, estudantes e as pessoas em geral, realizaram cursos, reuniões de negócios, conversaram com seus familiares distantes, e até atividades de lazer, como as “lives” musicais, nos mais diversos pontos geográficos, sem precisar sair de suas casas.
E como essa revolução tecnológica poderá mudar a forma como, atualmente, os agentes políticos se relacionam com as estruturas do Poder? Essa resposta não é de toda difícil.
Todos nós acompanhamos que, principalmente, no âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo, as plataformas de comunicação instantânea dirimiram o impacto negativo que seria causado, caso não existissem. E esse fato pode ser visto nas imperiosas decisões legislativas de combate ao vírus, na assistência às pessoas e outras relacionadas, como o adiamento das eleições municipais.
Durante o primeiro semestre do ano de 2020, mesmo com seus pares à distância, o Congresso Nacional deliberou, aprovou ou não, muitos projetos de lei. Inclusive foram feitas emendas à Constituição. Claro, é preciso registar que essa é uma situação de excepcionalidade. As matérias tratam, em especial, a respeito de ações necessárias para enfrentar a pandemia.
Entendo que em uma democracia o debate político parlamentar deve ser tido como parte fundamental na aprovação de leis. As comissões temáticas, as audiências públicas, os seminários, etc…, com a participação da população, não devem ser substituídos de pleno pela tecnologia. Seria um retrocesso. Uma restrição à cidadania. Em um período de normalidade, essas ferramentas complementam e não devem servir como fundo para exclusão.
Mas, em um país de proporções continentais como o Brasil, as plataformas on-line de comunicação demonstraram ser uma ferramenta importante nessa aproximação entre os agentes políticos estaduais e municipais com o Poder central da nação. Isso é fato.
No mesmo período, é difícil encontrar um exemplo a ser citado de um governador ou prefeito que tenha de ter realizado um périplo, na forma presencial, em meio aos ministérios, a fim de garantir recursos para o combate à Covid-19.
A partir desse contexto, vivido no primeiro semestre, alguns questionamentos podem ser feitos, tais como: essa nova experiência poderá servir de base para que, na nova realidade que nos espera, as demandas dos entes federados possam ser atendidas com mais celeridade e menos dispendiosas ao erário?
As reuniões na capital da República, com diretores e secretários de ministérios, ou com secretários de Estado e até com o Governador, poderão ser realizadas sem a necessidade de deslocamento de toda uma equipe, com gastos em diárias de alimentação, hospedagem e transporte?
Desde a disponibilização no Brasil da ferramenta Skype, eu me fazia essas perguntas.
A busca por recursos extraorçamentários, ou provenientes de emendas parlamentares, poderá adotar um novo procedimento. Por exemplo: uma reunião on-line com as lideranças em Brasília e o envio do requerimento, posteriormente, via e-mail?
Hoje já não é possível dizer que estamos “longe demais das capitais”.
Quanto custa uma democracia? Não é possível aferir com um valor monetário. Mas, é possível mensurar que no século XXI estão dispostos novos meios de ampliar o protagonismo político e a busca por melhorias sociais nas cidades e, tudo isso, com menor custo ao erário. É o que a nova realidade nos apresenta.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A imagem que ilustra este artigo, a foto aérea noturna de Brasília, sem autoria determinada, é uma reprodução (sem autoria determinada) da internet. Foi retirada deste site: AQUI.
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