O cinismo de chamar uma vítima de estupro de 10 anos de criminosa!
Por DÉBORA DIAS (*)
Eu não poderia deixar de falar nesse assunto que já rendeu muito debate, mas não posso ser omissa em face de tanta discussão, de todas as nuances, desde o estarrecimento por um criminoso de 34 anos ter violentado uma criança dos 06 aos 10 anos (esse é o fato) até as inadmissíveis críticas de uma sociedade hipócrita sobre a interrupção da gravidez da criança.
Infelizmente, a menina de 10 anos vítima de abuso sexual continuado por 4 anos no interior desse Brasil não é vítima isolada. O caso teve tanta repercussão porque chegou ao conhecimento da mídia, e que bom que isso ocorreu, porque esse assunto deve sempre ser debatido, mas o debate não pode ser vazio, deve ser direcionado a medidas reais que levem à proteção de nossas crianças.
Os abusos sexuais infantis são recorrentes em uma sociedade doente como a nossa e não é de hoje e, ainda mais, conta com a omissão da sociedade de um modo geral, da própria família muitas vezes e até do Estado. Sabemos que as subnotificações de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes é imensa.
O que nos chega, polícia, é a ponta do iceberg. Mas nem por isso podemos deixar de falar, de conversar com nossas crianças, de proteger, de educar, de ensinar. Li alguma coisa absurda e abjeta na internet como “por que essa menina ficou calada por 4 anos?”. Gente! Sem comentários… posso apenas usar as palavras de Jesus Cristo na ânsia de sua morte: “senhor, os perdoe porque não sabem o que fazem”.
Mas como não sou tão boa como Cristo, tenho a dizer: fiquem calados, isso não é liberdade de expressão, isso é crime. Se não têm noção do que significa empatia, calem-se, o mundo ficaria melhor sem tanta ignorância.
“Nos crimes de abuso sexual infantil existe uma coisa chamada ‘Lei do Silêncio’, ninguém fala, ninguém vê…” é coisa de família” e, nessas condições, há omissão criminosa da família ao não denunciar os crimes. Quanto ao comportamento da criança, apenas isso: ela é a vítima! O criminoso é o tio estuprador!
Dentre as inúmeras facetas que o fato criminoso gerou, uma delas foi a luta daqueles que bradavam para que a criança não fizesse um aborto e a chamaram de criminosa, assassina. Criminosa? Quem são os criminosos? Acredito que hoje as pessoas se sentem respaldadas para falarem quaisquer asneiras dentro de uma perspectiva de acobertar com a “moral, a religião”.
Isso não é moral, é falso moralismo; não é religião, é impiedade. Uma criança vítima de estupros seguidos por 4 anos fica grávida e, para selar com “chave de ouro” todos os crimes que sofrera, deverá ter um filho, uma criança parindo uma criança, isso é o sentimento religioso que se quer propagar? Não, isso é hipocrisia.
O dever da sociedade, do Estado e da família é a proteção da criança. Se essa criança sofreu estupro desde os 6 anos de idade, como tantas outras o sofrem e estão sofrendo nesse momento de sua leitura, é porque alguém falhou ou todos? Essa grande repercussão do caso tem que servir para alguma coisa além de dilações inócuas nas redes sociais. A responsabilidade é de todos. Denuncie, haja, não fique calado. Se você não tem o dever legal de denunciar, tem o moral, aqui sim, é moral.
(*) Débora Dias é a Delegada da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICoi), após ter ocupado a Diretoria de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.
Observação do editor: A foto (sem autoria determinada) que ilustra este artigo, é uma Reprodução da internet. Ela foi extraída deste site: AQUI.
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