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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e algo de que o Brasil vive: “a instrumentalização do ódio na política”

A instrumentalização do ódio na política

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

Mais uma vez a sociedade brasileira é chamada a participar de um dos poucos espaços de decisão coletiva: as eleições municipais. Para a maior parte da população esse é “o momento da política”. O termo política se origina da palavra grega “politikós” que significa tudo o que se refere à cidade (pólis), remete, portanto, a tudo aquilo que é citadino, público, social, em uma palavra: a cidadania. Era o dever para com a cidadania que fazia com que os gregos se reunissem junto a Ágora (em uma tradução vulgar “Assembleia”) para debater os rumos da coletividade e a busca do bem comum. A “politika” era, sobretudo, os negócios públicos dirigidos pelos cidadãos. Assim entendida, a política é uma esfera pública por excelência.

Em uma arena democrática, a política é um espaço para o debate plural das ideologias. Porém, para que seu exercício consciente funcione bem são necessárias uma série de qualificações: formação, ética, educação, conhecimento das ideias e, fundamentalmente, opção consciente por um projeto de sociedade que nada mais é do que o reflexo da visão de mundo adquirida.

Se defendo projetos sociais é porque em minha visão de mundo ninguém, absolutamente ninguém, pode viver sem condições mínimas de dignidade. Se defendo um projeto que prioriza as relações de mercado é porque em minha visão de mundo a desigualdade é um fenômeno natural e necessário. Obviamente, esse “jogo das visões de mundo” embaralha quando a demagogia esconde a ideologia, por isso a importância de um sistema e de uma cultura político-eleitoral que se atende para as qualificações acima citadas.

Infelizmente, em um país como o Brasil, onde a democracia é um fenômeno historicamente recente e predominam cotidianamente as práticas autoritárias (até mesmo por aqueles que ideologicamente deveriam negar tais práticas), o sistema e a cultura política-eleitoral não apontam para tais qualificações.

Em muitos casos as opções políticas não derivam da consciência, mas sim, são frutos de “tradições familiares”, empreguismos, caciquismos e outras práticas que não correspondem ao bem comum. Para piorar a situação, nos últimos anos passamos a assistir ao fortalecimento do fenômeno de opção política por negação derivada do ódio.

O ódio, como fenômeno individual relacionado ao coletivo, aparece quando a insegurança e a frustração em relação a si mesmo são projetadas no outro. Uma projeção que gera a incapacidade de ver um fator positivo mínimo no outro, o que induz a negação do outro como sujeito de direitos.

Coletivamente, a política dos ódios produz a formação de grupos que se realizam em atos de violência física ou simbólica que preenchem o vazio momentâneo de individualidades frustradas. Atos que são sempre momentâneos. Uma vez passado o ato volta-se a irrealização. Assim, é necessário outro ato, mais outro e assim por diante, sempre na busca do extermínio completo do outro.

Na esfera política, a opção pelo ódio se intitula “anti-alguma coisa”. Historicamente falando, tal opção tende a derivar no fascismo. Não propriamente aquele fascismo histórico presente na Itália, na Alemanha e em muitos outros países ao longo do século XX, mas no Fascismo Eterno, o “Ur Fascismo” lembrado por Umberto Ecco. Aquele fascismo que está presente nos modos de pensar e de sentir, nos hábitos culturais, nos instintos obscuros e nas pulsões insondáveis.

Apesar dessa tendência, ódio nem sempre é impulsionado pelos grupos assumidamente fascistas. Para além de uma derivação de inseguranças e frustrações, a política dos ódios é também instrumental. E é como instrumento que o ódio se torna uma potência de destruição da democracia e de combate a qualificação do exercício da própria política. A política dos ódios fecha portas e derruba pontes de diálogo. Por isso serve tão bem aos interesses daqueles que não podem dizer de peito aberto o que realmente defendem. São os sujeitos que ocultam seus projetos e visões de mundo que se alimentam do ódio popularizado para destruir as próprias conquistas populares da cidadania.

Os sujeitos que alimentam a política dos ódios promovem uma cegueira que faz com que o próprio sujeito do ódio não consiga perceber que no dia seguinte ao extermínio do inimigo o que lhe vai restar é a frustração e o vazio. Uma frustração e um vazio que serão ainda maiores quando a realidade demonstrar que os direitos sociais mínimos foram evaporados na fumaça criada por aqueles que instrumentalizaram o seu ódio. Por isso é que nos processos eleitorais é importante estar sempre atendo a existência dos oportunistas de plantão (ou do “Centrão”) dispostos a lucrar politicamente com os ódios, sejam eles existentes ou criados.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: a imagem (sem autoria determinada) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.

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