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A atividade mineradora sob a ótica do desastre de Mariana – por Marta Tocchetto

Os cinco anos daquele dia trágico e os tentáculos que chegam ao Rio Grande

(*) O artigo foi originalmente publicado na página da Seção Sindical da UFSM (Sedufsm) na internet

Marta Tocchetto é Doutora em Engenharia e professora aposentada do departamento de Química da UFSM

Que as vozes do Pampa não sejam vozes solitárias e não se calem ante à destruição promovida pelos megaempreendimentos de mineração no RS.

O rompimento da barragem da Samarco que arrasou Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), completou cinco anos. Lembrar deste trágico dia é denunciar que, praticamente nada foi feito para reparar os danos à população e ao ambiente atingidos. Cinco anos à espera de uma justiça que parece estar como tudo, paralisada e encapsulada pela lama. A lama cobriu tudo o que encontrou pela frente. Devorou casas, árvores, animais, plantações. Vidas, igualmente foram devoradas. Vidas que sucumbiram a avalanche de rejeito.

A lama tóxica inundou o rio Doce e chegou ao mar, matou peixes, envenenou águas. Ailton Krenak, militante da causa indígena e ambiental, em entrevista à radio ‘Brasil de Fato’, afirmou que: “Os combustíveis fósseis e a mineração são duas atividades primitivas e já deveriam ter sido encerradas no século 21”. O povo Krenak sempre viveu às margens do rio Doce, que foi duramente atingido pelo desastre criminoso de Mariana. A visão de cosmos por eles cultivada, traduz a inter-relação da vida humana com os demais elementos da natureza, o rio, a montanha, os pássaros, os insetos, os peixes, enfim com tudo o que a compõe e compõe o território em que vivem. Relação esta que foi quebrada pela destruição causada pela atividade mineradora.

A mineração estende seus tentáculos por todo o Brasil. O Rio Grande do Sul está nas pretensões e nos projetos para a instalação de megaempreendimentos. O segmento é altamente impactante e movimenta somas financeiras estratosféricas. O atrativo da exploração mineral no Rio Grande do Sul contempla as reservas de cobre, passando pelo chumbo, fosfato e carvão. No caso do munícipio de São Sepé, região central do RS, além da exploração do carvão, está prevista a instalação de uma termoelétrica. Empreendimento que também assombra Santa Maria, cuja distância é de pouco mais de 50 quilômetros.

Em Guaíba, cidade vizinha a Porto Alegre, o plano prevê além da exploração do carvão, a instalação de um polo carboquímico. O carvão representa um retrocesso em direção à resiliência climática e às alternativas econômicas de baixo carbono. A meta mundial é a redução, substituição e banimento dos combustíveis fósseis por fontes alternativas e limpas. Os projetos com o uso de carvão se direcionam exatamente ao sentido oposto. A mineração em geral, defende os investimentos no setor, sob o argumento e a ótica de desenvolvimento, de crescimento econômico e de progresso. Promessas estas que não se concretizam, tendo em vista a busca por resultados rápidos na recuperação dos investimentos feitos e do lucro, despreocupando-se com os efeitos negativos e a destruição causada pela atividade.

As soluções de controle acenadas no processo de instalação são quase sempre milagrosas, porém, na prática, não cumprem com o prometido. A reversão do alto nível de poluição no ambiente, com o passar do tempo, torna-se praticamente impossível. Ao primeiro sinal de esgotamento dos recursos que viabilizaram a atividade econômica, a exemplo dos aventureiros, erguem o acampamento e vão em busca de outro lugar, deixando a herança e o rastro de devastação para a população local que, em geral está mais empobrecida do que antes. O comprometimento das grandes empresas não é com o lugar, tampouco com as pessoas, é exclusivo com a manutenção da sua atividade econômica. A própria oferta de empregos e uso de mão de obra local é mais promessas vazias, pois muitas atividades são automatizadas e requerem conhecimento especializado, preenchidas por técnicos trazidos de fora. Sem contar os lucros que sublimam para outras regiões e para os países de origem, sem promover o desenvolvimento, o progresso e o crescimento local.

O Pampa gaúcho, um bioma único, sofre diversas ameaças com a implantação destes projetos. Não raramente, as populações atingidas são desconsideradas e não são ouvidas sendo que, são elas que terão ameaçados seus valores culturais e sua memória histórica, além de terras, águas, ar e toda a sua biodiversidade. Os movimentos de resistência à implantação dos megaempreendimentos de mineração no estado têm sido decisivos no enfrentamento do interesse de empresas multinacionais e dos próprios governos estadual e municipais, que deveriam ser os primeiros a se opor às iniciativas que põem em risco a saúde da população e do meio ambiente, além de ameaçar outras atividades produtivas devido aos poluentes emitidos. A região do Pampa sofre, ao longo dos anos, com frequentes estiagens. É absolutamente ilógico colocar em risco os mananciais de água em detrimento da exploração da atividade mineradora, sendo que a água é um bem essencial e que deve ser preservado. Sem a preservação da água, recurso precioso, a vida é posta em risco.

Além dos mananciais hídricos, a exploração, o beneficiamento, o processamento e os rejeitos de todas as etapas expõem e põem em risco, não apenas o ambiente, mas a biodiversidade, como as abelhas, essenciais para a polinização de diversas espécies vegetais, devido aos componentes tóxicos presentes nos minérios. Estes componentes ameaçam a produção de alimentos, pois destroem uma vasta cadeia de insetos responsáveis também, pela polinização. Espécies de plantas e animais correm o risco de extinção com a perda e a invasão dos seus habitats. O envenenamento do ar é uma das grandes ameaças mesmo com a instalação de sistemas de controle de emissões atmosféricas.

A eficiência não oferece garantias de que a qualidade seja de fato, controlada. As regiões cobiçadas pelas mineradoras, em geral abrigam pequenas propriedades rurais de subsistência, cujo excedente é comercializado em pequenos negócios locais, transformando-se assim, em uma alternativa econômica para a produção. A luta das comunidades para resistir ao poder das grandes empresas é interminável – é Davi contra Golias. A ocorrência de um desastre apenas, como aconteceu em Mariana ou em Brumadinho demonstra a dimensão da destruição causada. Indenizações que, se pagas, não ressarcem os prejuízos sofridos e que são de toda a ordem, financeiros, morais, éticos, físicos, psicológicos, ambientais, dentre outros. Sem contar perdas irreparáveis, como vidas. Não há preço para vidas perdidas e sonhos destruídos. A realidade das comunidades mineiras assoladas por estes crimes ambientais demonstra que a ganância é a principal causa responsável pelo ocorrido – gastar pouco e ganhar muito. Esta é a lógica perversa do mercado.

A atividade mineradora parece que ainda vive os tempos da escravatura – exploração de comunidades e de mão de obra barata para sustentar o seu desenvolvimento. A Fundação Renova, que representa a Vale do Rio Doce, foi criada com o objetivo de reparar os danos materiais, de implementar planos de saúde, construir novas casas, enfim, curar as feridas profundas nas pessoas e na natureza, contudo apenas acena com promessas, prorrogação de prazos, alimentando o desespero e a desesperança dos atingidos. A herança de destruição só cresce. Doenças de toda a sorte surgem e aumentam, causadas pela poluição e pelos contaminantes químicos tóxicos presentes no rejeito lançado. Não é apenas a saúde física que se deteriora, mas a mental e a psíquica. O crescimento do número de suicídios, do uso de drogas e de álcool é uma mais ameaça crescente.

Os acontecimentos destes desastres criminosos devem servir de aprendizado, estímulo e motivação para a luta das populações em resistir e em repelir a implantação de atividades de mineração no estado do Rio Grande do Sul. A desqualificação do diálogo é comumente usada ao questionar a dependência do celular, do carro e outros bens que utilizam algum componente advindo da mineração. Este argumento é facilmente derrubado com a afirmação de Gandhi: “O mundo tem o suficiente para a necessidade de cada um, porém não tem o suficiente para a ganância de cada um”. Os minérios explorados destinam-se ao mercado de exportação, muito pouco ou, quase nada, fica para as comunidades nas quais a extração é realizada. Cabe destacar que a mineração promove uma vasta destruição da paisagem.

O bioma Pampa é de belíssimos recantos naturais com o qual o ecoturismo e programas de incentivo à agroindústria e, a outros setores locais, poderiam contribuir para a preservação da natureza, da cultura, da história e ainda, desenvolver a região em harmonia e equilíbrio, trazendo ganhos econômicos iguais ou maiores do que os acenados pela mineração, sem contudo destruir e, sobretudo, preservando a vida e a biodiversidade. Que as vozes do Pampa não sejam vozes solitárias e não se calem ante à destruição promovida por uma lógica econômica perversa, que não tem respostas – a quem, verdadeiramente, atende este modelo de desenvolvimento e de progresso? Modelo este que desconsidera a vida como bem maior e prega a exploração, em uma clara ruptura com a natureza.  

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3 Comentários

  1. Este discurso pollyannico ‘olha como sou legal! sou contra a poluição, a favor das minorias, etc’, que os anglo-saxões chamam de ‘virtue signaling’ não leva a lugar algum.
    Alás, carros elétricos necessitam de baterias. Baterias precisam de lítio. Elon Musk, que além de rico e ambientalista é debochado, tuitou que não era interesse do povo um novo pacote de estimulo a economia. Um gaiato respondeu ‘Vc sabe o que não é interesse do povo? O governo americano organizando um golpe na Bolívia para derrubar Evo Morales para que vc possa obter lítio por lá’. Resposta: ‘Nós vamos derrubar quem quisermos! lide com isto!”.

  2. Crimes e reparações devem ser determinados pelo Estado. Logica perversa do mercado? Falácia. Na antiga URSS, em Cuba, na China, no Vietnã também ocorre mineração. E ‘crimes ambientais’, sem reparação e com remoção de população.
    Gandhi falou mimimi, logo as pessoas tem que deixar de usar celular, carro e outros bens (autora deve andar a pé e não utiliza telefone). Mas também tem que deixar de lado a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a radioterapia, o PET-CT, o ultrassom e a lista não é pequena.

  3. Tipico e infantil. Autora é química industrial, mestre em engenharia de produção e doutora na área de ciência dos materiais, concentrou a tese na área de gestão ambiental. Pessoal adora um ‘Argumentum ad Verecundiam’.
    Esta conversa do Rousseau do ‘bom selvagem’ em harmonia e paz com a natureza é lenda, outro apelo a autoridade, mais falácia.
    Questão do aproveitamento do carvão, sou contra também, até prova em contrário resolve-se sozinho. Dinheiro teria que vir de fora e financiar projetos poluidores na conjuntura atual será muito difícil. Produzir energia por produzir não deve ser economicamente viável tampouco.

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