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Repique de mão – por Orlando Fonseca

Talvez você que me lê não saiba quem foi Ubirany, mesmo que tenha escutado as músicas que inundaram as rádios com o ritmo novo, variante do samba que tomou conta das rádios, ao longo dos anos 80 do século passado. Mesmo que saiba quem foi o Grupo Fundo de Quintal, não reconheça exatamente esse cantor, compositor e instrumentista, pois à frente do conjunto musical estavam nomes que se tornaram mais famosos, como Almir Guineto e Jorge Aragão. No entanto, o músico que morreu, semana passada, vítima da Covid-19, tem importância histórica no gênero, por ter introduzido uma novidade rítmica, que impulsionou o subgênero pagode e o tornou popular: o repique de mão. Em uma dimensão um pouco mais elevada, duas décadas antes, João Gilberto, o cantor e compositor também se tornou reconhecido, justamente, por introduzir elementos novos – rítmicos e harmônicos – no gênero genuinamente nacional, o samba. Assim, com outros artistas geniais, ao final dos anos 50, criou a bossa nova, uma modalidade apreciada no mundo todo. Contribuição modesta, porém, significativa a do Ubirany. Pois é, citei tudo isso apenas para destacar que não é possível relativizar esta pandemia, uma vez que é capaz de levar, assim no mais, figuras representativas entre nós – e não devemos apenas fazer isso porque alguém próximo, parente ou amigo, é atacado pelo vírus. Este ano vai passando como vertigem, mas gente demais, que vai nos faltar no ano que vem, e nas décadas futuras, está sendo levada prematuramente.

Fundo de Quintal é um grupo de samba formado no Brasil, no final da década de 1970, a partir do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, da cidade do Rio de Janeiro. Tornou-se uma referência original no pagode, caracterizada por introduzir instrumentos pouco comuns em rodas de samba — como o banjo (banjo-cavaquinho, inventado por Almir Guineto), o tantã e o repique. Nele é que Ubirany Félix Do Nascimento construiu uma história que teve seu final no dia 11, passado, vítima de complicações da doença causada pelo coronavírus. Assim como ele, esse ano também foi silenciado outro grande nome da MPB, Aldir Blanc, mestre das crônicas poéticas musicadas por seu parceiro João Bosco, páginas imortais como O bêbado e a equilibrista, Mestre-Sala dos mares e Dois pra lá, dois pra cá, eternizadas na voz de Elis Regina. Na área musical também foram levados pelo coronavírus, o compositor Evaldo Gouveia, o cantor Ciro Pessoa (um dos fundadores do Grupo Titãs) e Eduardo Borges, conhecido como Parrerito, integrante do Trio Parada Dura. Na literatura, perdemos Sérgio Sant’Anna, aos 78 anos, considerado um mestre dos contos e imortalizado dentre os grandes da literatura brasileira; também o escritor e dramaturgo Antônio Biva, aos 81 anos. Nas artes visuais, Abraham Palatnik, e recentemente, os atores Gésio Amadeu e Eduardo Galvão.

No mesmo dia em que faleceu Ubirany, a cultura brasileira celebrava os 110 anos de Noel Rosa, sambista, cantor, compositor, bandolinista, violonista e um dos maiores e mais importantes artistas da música no Brasil. Apesar de ter tido uma vida curta, morreu aos 26 anos, deixou um acervo considerável de canções, mais de 300, muitas delas clássicos do cancioneiro nacional. Morreu de tuberculose, em 1937, uma época em que a doença ainda era uma sentença de morte no Brasil. Na atualidade, graças ao avanço considerável da ciência, a vacinação começa a trazer esperança de um retorno à normalidade, no entanto, ainda é preciso cautela e prudência. Com os cuidados do isolamento, uso de máscara e higienização constante, é possível evitar a perda de pessoas que amamos ou admiramos. Não é mais uma fatalidade, como o era nas primeiras décadas do século passado, época de Noel Rosa, contrair uma bactéria ou vírus. O repique de mão pode perdurar no samba, com apenas algumas gotas de álcool gel.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da Foto: Fundo de Quintal / Divulgação

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3 Comentários

  1. Quanto a musica nenhuma novidade. Musicos atingem um pico na carreira e depois entram em decadência em termos de popularidade. Viram nicho.

  2. Burro do leiteiro todos sabem onde vai parar. Imprensa começou a pandemia com terrorismo puro. Caixoes em caminhões do exercito na Itália, covas nos cemitérios pelo pais. Depois partiu para os ‘exemplos’, pessoas famosas que ‘se comportam como deve ser’ (sonha Marcelino). Depois partiram para a reprovação moral, apelaram para a vergonha de um comportamento que não seria ‘aceito pela sociedade’. O que leva ao resumo da ópera, vem da Biblia, ‘voz que clama no deserto’. Quem não gostar, bom, problema não é dos outros.

  3. Diria que há que se ter cuidado com os ‘defensores da ciencia’. Há quem defenda a ciência e há quem utilize a ‘causa’ para defender um setor do serviço publico. Vide a ultima falsa controvérsia do plano de vacinação. Aparece o Twitter de uma pessoa. Nota-se que acrescenta um Ph.D. após o próprio nome na ferramenta de mensagens. Fazendo uma verificação rápida nota-se que fez doutorado na UFRJ. Que não concede o referido título. Criatura tem estágio de pós-doutorado no exterior (é um estágio de aperfeiçoamento/atualização para quem já possui o titulo). O que pode levar a uma discussão semântica, equivalente é o que possui os mesmos atributos, difere de ‘a mesma coisa’. Ou seja, ego grande e falsidade de informações.

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