Contos

A cova rasa de Getulio – por Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Chico Chimango recebeu a notícia do compadre Aparício.

– Compadre Chico, os homens da prefeitura levaram o Doutor Getulio para o meio da praça.

– Não me diga…

– Botaram o velho numa cova rasa a tascaram um lenço colorado. Ta lá pra todo mundo ver, no meio da praça em São Borja. E agora chamam a cova de mausoléu.

Chico Chimango não acreditava no que estava ouvindo. Sempre rezava no túmulo de Getulio por ocasião das suas visitas a Tia Maroca nas proximidades do cemitério.

– E digo mais Chico, contrataram para fazer o túmulo um cola-fina lá do Rio de Janeiro. Um tal de Neimar.

– Mas isso é uma sem-vergonhice. Aparício, São Borja não tem pedreiro?

Chico deu uma pitada, apagou o palheiro com o taco da bota e sentenciou.

– Hoje eu não vou porque tá se armando um temporal lá pros lados dos castelhanos, mas amanhã vou falar com o prefeito. Vou acabar com essa pouca vergonha.

Chico Chimango chegou na cidade a trote. Amarrou o cavalo num poste em frente ao Palácio João Goulart e foi em direção ao centro da praça. Olhou desconfiado. Realmente, havia algo como uma cova, bem rasinha, uma caixa branca com um lenço vermelho, meio estranho, e uma aba que dava a volta por cima da caixa branca. Perguntou para um passante se era verdade que o Getulio estava enterrado ali. A resposta foi afirmativa. Logo em seguida Chico puxou o facão para um taura que caminhava por cima da cova do doutor Getulio. E se formou um alvoroço na praça.

O prefeito, amigo de longa data de Chico, teve dificuldade para explicar que o maior arquiteto do mundo fez o monumento para homenagear o maior presidente do Brasil. E que aquele vermelho simbolizava o sangue do velho Pai dos Pobres.

– Mas prefeito, aquela cova é muito rasa. O povo passa por cima… – falou emocionado.

Assim, por causa do drama sofrido por Chico Chimango, está prevista uma pequena reforma no monumento para deixar de ser uma “cova rasa”.

O autor

Nascido em Santiago do Boqueirão-RS, 30.10.1960, Athos Ronaldo Miralha da Cunha é graduado em Engenharia Civil e funcionário aposentado da Caixa. É autor dos seguintes livros: Os agachados – crônicas da Era Lula (edição 2012), Contos de Chumbo (Chiado Editora 2015), Tintos e Contos (Penalux 2017), O código Locatelli – romance (Penalux 2018), Sofrendo em Paris – crônicas (Penalux 2018) [1º lugar no prêmio Internacional Alejandro Cabassa 2017 – UBE-RJ e Livro do ano na categoria crônicas 2019 – pela ABRIL – Academia Brigadiana de Letras] e Contos de prata (Penalux 2020). É detentor da cadeira número 32 da Academia Santa-Mariense de Letras cujo patrono é Apparício Torelly.

Este conto foi publicado com autorização do autor. Crédito da imagem que abre o conto: Divulgação

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