As crenças dos ministros de Bolsonaro não são palavras ao vento, eles acreditam nelas – por Carlos Wagner
Em meio à enxurrada de acontecimentos que diariamente invadem o nosso cotidiano de jornalistas, em abril o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa, durante a cerimônia de passagem do comando do Exército do general Edson Pujol para o seu colega Paulo Sérgio Nogueira, fez uma observação que passou batida. Ele disse “(…) respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros”.
Deu recado direto para a oposição ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), respeitar os 50 milhões e alguns quebrados de votos que o elegeram em 2018. No mesmo pronunciamento, o ministro acrescentou: “(…) é necessário se unir contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional”.
Aqui a mensagem foi para Bolsonaro, que tem feito vistas grossas para as tentativas dos seus apoiadores de atropelarem as instituições. Na ocasião pensei: “o general acendeu uma vela para Deus e outra para o diabo”, um dito popular que se usa nas redações dos jornais pelo interior do Brasil para dizer que a pessoa tentou ficar de bem com os dois lados em uma disputa política.
Refleti sobre o que o general Braga Netto falou. E fiz uma revisão naquilo que nós repórteres aprendemos a respeito de como funcionam as coisas entre as quatro paredes da cúpula do governo federal. A conclusão a que cheguei é que a imprensa não acreditava que os apoiadores e os quadros técnicos do governo levassem a sério as coisas exóticas e perigosas que pregam pelas redes sociais. E nós demonstramos a nossa descrença sendo irônicos nos conteúdos das notícias.
É sobre isso que vamos conversar, sobre as crenças – que defino como “coisas que a pessoa acredita que sejam verdades” – do presidente Bolsonaro e dos que o rodeiam. Dei-me conta disso na semana passada, quando recebi uma mensagem de um leitor que é terraplanista. De maneira educada, mas muito contundente, ele disse que eu deixava nas entrelinhas dos meus textos uma grande dose de ironia quando tratava do assunto. Enviou-me uma lista de literatura sobre o assunto.
Confessei que o meu conhecimento sobre o matéria é o do “Tio Google” e de alguns documentários a que assisti. Ele não pediu que me retratasse do que publiquei. Mas que respeitasse a sua crença. Aqui chegamos a um ponto importante da nossa conversa. Ninguém é obrigado a acreditar na crença de ninguém. Mas deve tratar a pessoa com respeito.
Por que acho importante essa definição? Simples. Respeitar a crença de uma pessoa é uma coisa. Mas denunciar quando ela usa meios ilícitos para impor as suas crenças é a obrigação do repórter. Por exemplo. Lembram dos gestos feitos com os dedos por Felipe Martins, assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, durante um depoimento no Senado do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo? O gesto feito por Martins é um sinal dos defensores da supremacia branca. Ele acredita nisso. Mas é racismo, que é proibido por lei. Esses racistas são responsáveis por centenas de mortes ao redor do mundo.
Uma outra lembrança. Durante uma reunião entre o Bolsonaro (abril/2020) e seus ministros, o titular do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lembrou a todos que deveriam aproveitar o momento em que as atenções da imprensa, parlamentares e outros setores da população estavam voltados para os estragos que a pandemia está causando e “passar a boiada” – usado no sentido de flexibilizar as leis ambientais.
Ele não só acredita nisso como vem praticando essa estratégia, que está resultando na destruição da fiscalização do meio ambiente. O ministro foi denunciado pelo delegado federal Alexandre Saraiva, de Manaus (AM). Salles está praticando um crime e vai sentar no banco dos réus. É uma questão de tempo.
A questão da cloroquina e o afastamento social. São crenças do presidente Bolsonaro. Ele acredita que a cloroquina é a cura para a Covid-19. E que o afastamento social, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é coisa de “fresco”. Claro, estudos científicos mostraram que a cloroquina não faz efeito contra o vírus. E que o afastamento social pode ajudar a deter o avanço da doença.
Por conta dessas crenças do presidente do Brasil o país já soma mais de 425 mil mortos. E como isso aconteceu está sendo levantado pelos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, do Senado. Um dos depoentes é ex-ministro Araújo, uma das pessoas que será ouvida como testemunha da CPI. Outro é o ex-ministro da Saúde e general da ativa do Exército Eduardo Pazuello.
Colegas, não se surpreendam se Araújo e Pazuello afirmarem que acreditam no poder de cura da cloroquina. Eles podem acreditar no que quiserem. Mas usar uma droga que não tem efeito sobre a doença é um crime. E exatamente por isso que responderão. Vai ser uma grande semana na CPI da Covid.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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