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Distanciamento Social Controlado: o fim anunciado – por Michael Almeida Di Giacomo

Acabou um modelo. Outro virá. Por quê? Eis o tema da análise do articulista

Há exatamente um ano e um dia teve início no Rio Grande do Sul a inédita política de enfrentamento à disseminação do vírus da Covid-19, o distanciamento social controlado.  À época, a economia gaúcha sofria uma forte retração, fruto do fechamento de estabelecimentos no setor produtivo e no comércio.

As pessoas, algumas afetadas diretamente com a perda do seu posto de trabalho, outras a ter tido a triste experiência da contaminação, tiveram um sopro de esperança de que a partir da adoção de protocolos sanitários seria possível “conviver” com o vírus até a chegada da esperada vacina.

O modelo implantado foi estruturado a partir da aferição de onze indicadores, tendo por objetivo – enquanto resultado final – identificar o nível de propagação do vírus e a capacidade de atendimento das pessoas pelo sistema de saúde. A par da realidade de cada região, restou determinada uma classificação, sob a coloração de uma bandeira, com o grau de restrições que deveriam ser obedecidos.

Logo no início, com baixos índices de contaminação comunitária e o Estado sem nenhuma bandeira vermelha, a iniciativa de controle social foi aplaudida, quase que sem oposição, por empresários, gestores públicos municipais e pelos que identificaram na ação uma responsável e adequada resposta do Executivo estadual no combate à disseminação do vírus.

Os problemas (sim, no plural) iniciaram com o recrudescimento da pandemia e o surgimento das primeiras regiões “pintadas” com a cor vermelha. O resultado foi que tiveram início as restrições mais agudas, impopulares e que deveriam ser respeitadas pelos municípios na região afetada.

A partir de então, não foi nada desprezível o contexto de pressão política por parte dos irresignados com a coloração indesejada da sua região. Na ideia de conciliar os ânimos, o governo do estado foi aperfeiçoando o modelo e adotou a denominada “gestão compartilhada”. Essa nova configuração consistia basicamente em autorizar as regiões – que mantivessem comitês científicos – a adotar regras da bandeira anterior a que teria sido classificada.

Esse foi o primeiro “passo atrás” dado pelo governador.

A posição adotada restou caracterizada como uma atitude a demonstrar a sua capacidade de diálogo e sensibilidade política, na ideia de manter fortalecido o sistema de bandeiras. Mas o vírus não foi condescendente.

Desde então, inúmeras flexibilizações foram autorizadas, cada qual a responder pela pressão de um ou outro setor da sociedade gaúcha. É dizer “a porteira foi aberta”, ou precisamente “onde passa um boi, passa uma boiada”.

A pandemia, que nos assola em “ondas”, não deu trégua.

No último verão, vivenciamos os maiores índices de contaminação e o crescimento exponencial do número de vítimas fatais.

Esse contexto, aliado à incompetência do governo federal no enfrentamento da grave situação e ao desrespeito por parte das pessoas às regras e protocolos sanitários, elevou o Brasil à condição de epicentro da crise sanitária no mundo.

Também é possível constatar que, tendo como recorte específico os meses de janeiro e fevereiro, medidas mais restritivas não foram adotadas face ao período de férias e à óbvia circulação das pessoas no encontro de momentos de lazer e descanso, o que oportunizou o aquecimento da economia do turismo.

No final do carnaval, surpreendentemente, a inércia governamental foi deixada de lado com a decretação de situação de risco altíssimo em todo o estado, que foi de imediato “pintado” de preto, mesmo em regiões que estavam sob a bandeira vermelha.

A atitude teve por justificativa uma “salvaguarda”, ou seja, uma defesa no intuito de preservar o pouco de credibilidade que ainda restava – se é que realmente existia – do modelo de distanciamento social controlado.

Porém, ao gosto do governante, há duas semanas, o estado foi colocado sob regras da bandeira vermelha. Uma estratégia lançada a fim de garantir a volta às aulas presenciais que estavam sendo obstaculizadas por decisões no âmbito judicial, uma vez que as regras da bandeira preta não as permitiam.

Bem, o fato a ser considerado é que aqueles que acusavam o governador de tomar decisões de cunho político, em relação ao modelo de distanciamento, passaram a ter seu argumento reforçado com o “looping” ao qual fomos submetidos, primeiro sob a bandeira preta; depois sob a bandeira vermelha.

O modelo faliu. Parece que não haverá mais bandeiras, nem cores. 

Dessa maneira restou ao governo lançar mão de uma nova proposta, agora com mais poder de decisão aos gestores municipais. A partir de maio, acredito, o governador Leite irá basicamente encarregar os prefeitos da responsabilidade direta na decisão de adotar ou não medidas restritivas no combate à disseminação do vírus.

As primeiras discussões sobre o que está por vir, com flexibilizações em todos os setores, não estão em sintonia com a realidade da pandemia, principalmente porque o processo de vacinação no Brasil é lento e confuso, para dizer o mínimo.

O “looping” a que todos fomos submetidos, felizmente, irá acabar. Em breve teremos protocolos que poderão ou não ser aceitos pela sociedade.

Na verdade, a prevenção à boa saúde e ao bem-estar das pessoas, há muito não tem tido atenção de boa parte da população. Parece-me que tudo depende de quais interesses serão afetados ou não. 

É a partir desse ponto que iremos identificar se haverá sucesso com o novo modelo.

(*) Michael Almeida Di Giacomoé advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Observação do Editor: a imagem que ilustra este artigo, é uma reprodução da internet, sem autoria determinada. Originalmente, você a encontra clicando AQUI.

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Um Comentário

  1. Não são ‘ondas’. O termo surgiu de uma analogia com a gripe espanhola. Quem duvidar basta ir no Google (se existem dados discute-se os dados) e teclar ‘casos covid Brasil’, ‘casos covid Rio Grande do Sul’. Depois, para comparar, digitar casos covid India. Por lá as ondas existiram. É possível também perceber o crescimento de casos no inicio de novembro, período que antecede as eleições. Logo a pressão não foi só econômica.
    Carnaval seria comemorado em 15 e 16 de fevereiro. Até o dia 11 ocorreu um pequeno surto e depois uma queda que durou mais ou menos até o dia 18. Depois um grade e prolongado aumento no numero de casos. Suspenderam os desfiles mas os feriados e os pontos facultativos permaneceram. Ou seja, numa pandemia onde já se trabalha pouco, principalmente os servidores públicos, ainda teve feriado. Municipal no caso.
    O surto das eleições durou mais ou menos até o Natal. Entre 6 e 16 de janeiro aumento de casos, depois é tendência de queda até o inicio de fevereiro.
    Resumo da ópera é simples. Há que se observar as curvas e correlacionar com as medidas. Politicos preocupam-se mais com o resultado das urnas do que com o resto. Não é ‘fazer o melhor possível e conseguir votos’ é ‘fazer o melhor possível, mas não perder votos’.

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