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Cem anos dos comunistas do Brasil – por Leonardo da Rocha Botega

O articulista e um pouco da vibrante história de um partido político no País

1922 foi um ano um tanto quanto agitado no Brasil. Entre 11 e 18 de fevereiro, a controversa Semana da Arte Moderna lançava o desafio de discutir o que seria afinal a cultura brasileira. Em 1º de março, Artur Bernardes foi eleito presidente em um processo marcado pelas dissidências oligárquicas que apoiaram Nilo Peçanha, constituindo a chamada Reação Republicana.

Em 5 de julho, explodia a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, dando início ao Movimento Tenentista. A sociedade brasileira parecia ter aproveitado o ano do Centenário da Independência para demonstrar a sua insatisfação com o domínio das oligarquias e a política do Café com Leite.

Foi nesse conturbado contexto que Abílio de Nequete, imigrante libanês e barbeiro em Porto Alegre, Astrogildo Pereira, jornalista de Niterói, Cristiano Cordeiro, funcionário público de Recife, Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP), João Jorge da Costa Pimenta, gráfico de São Paulo, Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro, José Elias da Silva, funcionário de uma escola pública do Rio de Janeiro, Manoel Cedón, imigrante espanhol e artesão alfaiate, e Luiz Peres, artesão fabricante de vassouras do Rio de Janeiro, se reuniram entre 25 e 27 de março para fundar o Partido Comunista do Brasil.

Esses nove fundadores eram delegados de grupos comunistas estaduais que somavam no total setenta e três membros, a maior parte antigos anarquistas convertidos após a Revolução Russa de 1917. Nos dois primeiros dias, as reuniões ocorreram no Rio de Janeiro e no último dia em Niterói, na casa de Astrogildo Pereira. Na ocasião, os entusiasmados comunistas encerram os trabalhos cantando a Internacional, porém, em voz baixa para não perturbar duas tias idosas que moravam com o cedente da casa.

Alguns meses depois, os esperançosos comunistas sentiram na pele a repressão. Apesar de não terem nada a ver com o levante dos 18 do Forte, o governo aproveitou a decretação do Estado de Sítio para proibir o funcionamento do partido, prender e espancar Abílio de Nequete, seu primeiro secretário-geral. Seria a primeira ação repressiva entre tantas sofridas pelos comunistas ao longo da História do Brasil. Uma ação que parece não ter dado muito certo. No final do ano de 1922, o Partido Comunista contava com 250 filiados, em 1923, 300, em 1928, 500, chegando a aproximadamente 1000 filiados em 1930.

Ao longo de seus 100 anos de existência, o Partido Comunista foi destroçado e reconstruído inúmeras vezes. Sentiu o peso da Ditadura do Estado Novo (1937-1945), da contraditória ilegalidade em meio a um período democrático (1947-1964) e da nova Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Sofreu rupturas, deu origem a diversos grupos e correntes políticas, e foi dado como morto em diferentes momentos. Mas sempre ressurgiu das cinzas como a Fênix mitológica.

Ressurgiu porque carregou consigo, em meio a erros e acertos, uma alma brasileira. Soube compreender a pluralidade do povo brasileiro quando, através do deputado comunista Jorge Amado, propôs e conseguiu aprovar, na Constituinte de 1946, a garantia de Liberdade Religiosa. Soube compreender a necessidade de garantir dignidade para os trabalhadores e as trabalhadoras defendendo, na Constituinte de 1988, um piso salarial proporcional à complexidade do trabalho realizado.

O partido que um dia foi de Abílio, Astrogildo, Cristiano, Hermogênio, João Jorge, José Elias, Luiz e Manoel, também foi de Octávio Brandão, Caio Prado Júnior, Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighella, João Amazonas e tantos outros militantes e intelectuais que contribuíram para que esse país pudesse ser interpretado e transformado.

Como canta Caetano Veloso: “Os comunistas guardavam sonhos”. Ainda guardam! Do 25 de março de 1922 ao 25 de março de 2022, são Cem anos de Resistência! Cem anos de luta por um Brasil digno, soberano e igualitário!  

 (*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A foto que ilustra este artigo, dos pioneiros do PC do B, é uma reprodução obtida na intenet.

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